Uma reforma digital na igreja pós-pandemia | Por Marcos Simas

Introdução

Como será a igreja no futuro e como ela pode se manter relevante diante de tantas novidades surgidas nos tempos recentes, inclusive durante a pandemia, já que esse futuro parece já não estar tão distante? Temos a sensação de que o mundo não mais “caminha”, mas corre, em alta velocidade. São muitas as mudanças visíveis, que estão acontecendo ou irão acontecer em um futuro muito próximo.

Essa velocidade provoca e estimula cada vez mais identidades fluídas, que estão em constante e rápida mutação. Está se tornando cada vez mais difícil uma geração conseguir compreender a outra. Linguagem, símbolos e pertencimento estão se reconfigurando constantemente – o que leva à formação e reformulação de novas identidades com tamanha rapidez que não dá às gerações muitas opções de pontos-de-contato e de transmissão de tradições. Quando elas acontecem, são bastante fragmentadas. E, para amplificar todo esse deslocamento social, a Covid-19 trouxe mudanças rápidas, inesperadas e profundas à experiência religiosa humana.

Não faz muito tempo, havia uma certa preocupação com a produção e disseminação de crenças e doutrinas apenas nos ambientes fechados das igrejas, em seus templos “sagrados”, que representavam um ideal de pureza e cuidado com o conteúdo transmitido. É fato que fora desse ambiente também havia possibilidade de surgimento de novas teologias, fosse nas conversas de grupos ou de amigos, nos panfletos, livros, ou nos eventos públicos de massa que tanto sucesso fizeram em tempos passados. Mesmo com o rádio e a TV — ambientes externos e profanos que já provocavam um enorme alvoroço — até então, pensava-se que poderia haver um certo controle da mente dos fiéis, no que se refere à teologia. Tudo isso fazia um movimento subversivo contra o que era ensinado no “ambiente sagrado”, em que tudo ocorria em um mesmo padrão de tempo e de espaço.

Para ampliar esse deslocamento, surge, sutilmente, a internet, que se expande globalmente e chega aos nossos bolsos, tornando-se, praticamente, uma extensão dos nossos corpos. As mídias sociais digitais ampliaram nossos ambientes relacionais, tornando praticamente obsoletos ou secundários nossos padrões espaço-temporais, que, por milênios, serviram de base de sustentação existencial para nossas sociedades. A partir disso, o ambiente deixou de ser estático e o conteúdo — que tinha origem em uma comunicação verticalizada — deixou de ser recebido de forma passiva, podendo ser “compartilhado” de forma horizontal, o que aumentou sua potencialidade.

Essa novidade abriu a caixa de pandora das crenças e experiências, outrora privadas e circunscritas aos ambientes físicos e geográficos. Agora, esses elementos são disseminados de forma nunca vista; instantânea, com imagens e sem os “controles” habituais. Além disso, há cerca de 150 milhões de opções e variantes de toda e qualquer coisa, disponíveis a praticamente todos — no Brasil (KEMP, 2020), além da fusão entre o presencial e online/digital. Para comunicar algo de forma ampla e irrestrita, já não é preciso pagar uma fortuna para contratar espaço em canais de TV, abertos ou fechados. Com o YouTube, todos podem criar seus próprios canais e transmitir o que quiserem. Também devemos destacar a recente influência das mídias sociais na produção e difusão de “teologias” e de “experiências religiosas”. Nesse ambiente, as sensações e percepções de experiências e de pertencimento são transformadas em um sistema sinérgico fantástico, que soa quase um milagre, em sentido religioso.

As novas ferramentas tecnológicas ampliam seu alcance durante a pandemia

Nesse período de pandemia, a tecnologia foi amplamente utilizada e amplificou nossas possibilidades relacionais. Para alguns é a forma de se relacionar em tempos recentes onde o contato pessoal presencial, físico e geográfico se tornou limitado. Para outros é uma forma de se sentirem relevantes em um mundo de mais de 7 bilhões de seres humanos que buscam seu espaço e a construção de uma identidade que os mantenha sóbrios em tempos híbridos, mas também em tempo de radicalismos. O tempo gasto na internet impressiona já que os brasileiros foram imensamente afetados por esse episódio, já que passam, em média, dez horas e meia por dia em seus aparelhos (KEMP, 2020).

Pesquisadores buscam entender de que forma a internet tem afetado a vida humana e o que ela ainda pode fazer, diante de tanta novidade que surge diariamente, praticamente colocando esse ambiente como algo ilimitado e progressivo, onde o limite parece ser o céu na Terra. Intencionalmente, e com vistas à super-humanidade de seres que buscam a eternidade, toda essa ampla possibilidade de extensão da vida com a ajuda dos recursos tecnológicos e científicos é oferecida aos que puderem pagar por tal luxo, além de uma vida cada vez mais confortável, com mais previsibilidade e com menos surpresas do acaso. Mas nem tudo isso significa que a internet oferece apenas coisas boas e úteis para seus usuários.

Destoante crítico das benesses da vida proposta no ambiente digital, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, autor do best-seller A sociedade do cansaço diz que os smartphones estariam criando “viciados” na “sociedade do cansaço”, diante das exigências inesgotáveis de uma existência que insistentemente impõe que façamos parte de grupos e que experimentemos todas as novas formas de entretenimento que ela nos oferece. Para ele, as redes sociais criam em muitos de seus usuários a obsessão por si mesmo de forma sutil, acentuando nosso individualismo. Han convoca seus leitores a retornarem às “coisas simples da vida cotidiana” e reclama ainda do desaparecimento dos rituais, o que, segundo ele, estaria colaborando para o desaparecimento do sentimento comunitário e nos transformando “em indivíduos perdidos em sociedades doentes e cruéis” (FANJUL, 2021).

Além dele, Kalev Leetaru, especialista em internet, publicou em 2019 um artigo na Forbes, no qual afirma que, para variados pesquisadores “o Instagram estaria cheio de imagens perfeitas, em que cada cena representa a vida em seu melhor momento, podendo tornar as pessoas menos felizes quando comparam essas imagens encenadas com suas próprias vidas”. Assim, segundo ele, em um ambiente digital “cheio de ódio e horrores”, o Instagram estaria sendo criticado “por ser muito positivo, feliz e edificante”, provocando nos seus usuários a sensação de quererem sempre o ideal proposto nessas referidas imagens (LEETARU, 2019). Já o pesquisador Brock Bastian, da Faculdade de Ciências Psicológicas da Universidade de Melbourne (Austrália), em artigo do site ABC Everyday, amplia a crítica à essa forma de se expor nas mídias sociais e diz que “a positividade saudável é deixar espaço para as emoções negativas e sentir-se à vontade com elas, pois a melhor maneira de ser feliz é se basear nessas experiências incômodas, já que, se as evitarmos, elas pioram” (SCOTT, 2020).

Apesar desses alertas, nossa sociedade já não pode mais imaginar a vida sem os fantásticos e ao mesmo tempo arriscados recursos da internet. No entanto, a igreja e seus líderes devem saber como se posicionar diante disso. Sabemos que as igrejas foram imensamente afetadas pela pandemia e ficaram com seus templos fechados e suas reuniões presenciais de grupo foram interrompidas. Em inúmeros casos, a relação entre seus membros e líderes sofreu um esfriamento e até um estremecimento. Ninguém escapou imune à Covid-19, mesmo quem não foi contaminado, ou mesmo vacinado.

Um novo ambiente para uma nova igreja

O virtual permitiu que enfrentássemos a pandemia, já que o “real espacial” não foi possível por determinado tempo. O digital foi uma possibilidade real de mantermos o mínimo de sanidade mental, mantendo-nos em contato com o mundo exterior. Com isso, a internet invadiu nossas vidas, ampliando esse novo “ambiente” para a experiência relacional de forma abrupta. Três novas palavras, fundamentalmente conceituais, invadiram nosso vocabulário nos últimos anos, sem sequer nos dar tempo para avaliar o que realmente elas significam e qual é seu alcance no mundo tecnológico em que vivemos: Algoritmo, Inteligência Artificial (I.A.) e Metaverso.

Os “Algoritmos” são projetados para que as pessoas cliquem, que passem mais tempo engajadas com determinado conteúdo. Nas redes sociais eles são fundamentais para fazer com que seus usuários e adeptos fiquem cada vez mais “conforme” seus grupos ou suas escolhas. Na prática isso é o que nos faz muitas vezes ficarmos impressionados com a quantidade de pessoas que “acreditam” no que nós mesmos acreditamos, “gostam” do que gostamos e, consequentemente, provocam nos “seguidores” uma sensação de engajamento e de consequente pertencimento, ainda que falso, a grupos supostamente coesos e similares. Apesar disso, o pesquisador Stuart Russell nos alerta para o fato de que esses algoritmos ainda não são verificados ou “consertados” e trabalham de forma mecânica para otimizar seu objetivo, indiferentes ao dano colateral que possam produzir. Segundo o autor:

[as redes sociais] não apenas estão otimizando a coisa errada, como também estão manipulando as pessoas, porque ao manipulá-las consegue-se aumentar seu engajamento. Se posso tornar você mais previsível, por exemplo transformando você em uma eco-terrorista extremista, posso te mandar conteúdo eco-terrorista e ter certeza de que você vai clicar, e assim maximizar meus cliques (IDOETA, 2021).

Sem dúvida, essa nova tecnologia tem o poder de manipular pessoas e de ser parte ativa em uma mudança no sistema social, já que pode influenciar pessoas com ideias e conceitos provocando a ilusão de que somos “donos” de nossas ideias e pensamentos e que muitos ao nosso redor pensam como nós, ou como a nossa tribo.

Já a “Inteligência Artificial (I.A.)” é um ramo da ciência da computação que trabalha com sistemas ou máquinas projetadas na intenção de imitar a inteligência humana na execução de tarefas, aprimorando-se interativamente com base nas informações que coletam. Ela também permite que os sistemas tomem decisões de forma autônoma em certo nível, apoiada em dados digitais, na perspectiva de multiplicar a capacidade racional do ser humano de resolver problemas práticos, simular situações e pensar em respostas. Na prática, aos poucos, o sistema absorve, processa, classifica, analisa e organiza os dados de forma a entender e identificar o que são objetos, pessoas, padrões e reações de todos os tipos. Simplificando, a I.A. aprende como uma criança.

Diante disso, precisamos estar conscientes de que as máquinas no mundo digital, com sua I.A., são fortes agentes ativos e “parceiros” dos algoritmos na tentativa de tornar os usuários de internet cada vez mais fiéis consumidores de conteúdo e, consequentemente, de todos os elementos físicos palpáveis ou não (leia-se compráveis), que compõem o espectro mais amplo do sistema simbólico de pertencimento de determinado grupo. Russell alerta que o modelo predominante de Inteligência Artificial é, em sua opinião, uma ameaça à sobrevivência humana, principalmente por causa da forma como essa inteligência tem sido programada pelos próprios humanos para otimizar ao máximo suas tarefas, a qualquer custo, tornando-se indiferentes aos problemas que podem causar aos humanos (IDOETA, 2021).

Já o “Metaverso” é a terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual, que tenta replicar a realidade por meio de dispositivos digitais no universo em rede online 3D permanente. Ele combina diversos ambientes virtuais de espaço coletivo e virtual compartilhado, constituído pela soma de “realidade virtual”, “realidade aumentada” e “internet”. Esse ambiente pode ser entendido como uma vivência em um espaço virtual, só que com influências reais, presença e participação, permitindo aos seus usuários a continuidade de identidade, objetos, história, ações e reações, que acontecem de forma sincronizada por um número ilimitado de usuários. O objetivo é passar uma sensação de realidade, por conta de toda uma estrutura que existe no mundo real para que isso aconteça, por isso, o metaverso permitirá que os usuários trabalhem, se encontrem, joguem e socializem em ambientes 3D.

Os óculos de realidade virtual talvez sejam a forma mais acessível de entendermos como funciona essa proposta de ambiente digital, já que esse aparelho “teletransporta” o usuário para um mundo que não existe fisicamente. O jogo Second Life, lançado em 2003, também é um exemplo da proposta de Metaverso. A privacidade das informações no metaverso, o vício do usuário nas mídias sociais e a ampliação dos impactos sociais dos espaços alienantes digitalmente são algumas das principais preocupações dos estudiosos, uma vez que o metaverso pode adaptar os mundos virtuais algoritmicamente com base nas crenças de cada pessoa pela ação da inteligência artificial e distorcer ainda mais as percepções da realidade, por meio de um conteúdo tendencioso, que aja para manter ou aumentar o envolvimento. Uma pesquisa do Ibope indica que 5 milhões de brasileiros já interagem de alguma forma no Metaverso (SILVA, 2021). Essa realidade é cada vez mais palpável e certamente também pode afetar a religiosidade do brasileiro, assim como as estruturas religiosas das quais fazem parte.

Algumas armadilhas da internet para a igreja

Precisamos estar cientes desses novos tempos e avaliar de forma responsável e profunda quais são os riscos decorrentes desses relacionamentos em formatos diferentes, distantes e superficiais, propostos pela trindade digital: o Algoritmo, a Inteligência Artificial (I.A.) e o Metaverso. Mais uma vez Byung-Chul Han nos alerta e diz que a internet está substituindo a necessidade de presença física nos relacionamentos humanos e provocando um distanciamento real nos relacionamentos humanos:

precisamos que a informação se cale. Caso contrário, explorará nosso cérebro. Hoje entendemos o mundo através das informações. Assim a vivência presencial se perde. Nós nos desconectamos do mundo de modo crescente. Vamos perdendo o mundo. O mundo é mais do que a informação. A tela é uma representação pobre do mundo. Giramos em círculo ao redor de nós mesmos. O smartphone contribui decisivamente a essa percepção pobre de mundo (FANJUL, 2021).

E ele não está sozinho. Hilda Burke, psicoterapeuta e autora da obra The Phone Addiction Workbook, diz que existe uma forte ligação entre o uso excessivo do smartphone e problemas de relacionamento, por conta da dificuldade de se desconectar: “Muita gente tem uma constante lista de pedidos vindo em sua direção por meio de seu aparelho, muitos deles com um falso sentido de urgência” (BEANE, 2022). Para ela, as pessoas deveriam ter maior percepção e controle do tempo que passam diante do smartphone, já que esse tempo muitas vezes passa despercebido por conta do envolvimento visual e emocional que o binômio aparelho-tela proporciona e da incapacidade de buscar a disciplina nessa área da vida, estabelecendo períodos de vida off-line, em vez de estar conectado 24 horas por dia, sete dias por semana.

Por fim, segundo matéria da Deutsche Welle (DW), Frances Haugen, ex-gerente de produto do Facebook, em entrevista à CBS, diz que a plataforma está “dilacerando nossas sociedades” e acusa companhia de priorizar o lucro sem levar em conta a segurança dos usuários, promovendo em sua plataforma conteúdos que inspiram ódio e raiva:

Quando vivemos num ambiente de informações que é repleto de conteúdo de ódio e polarizador, isso faz erodir nossa confiança cívica, a fé que temos uns nos outros, a habilidade que temos de querer nos importar uns com os outros.

Precisamos ter em mente que devemos utilizar as maravilhas que a internet nos disponibiliza com certo cuidado, critério e planejamento, estando atentos ao que os estudiosos e pesquisadores desse campo da comunicação tem a nos dizer. Uma subserviência cega às tecnologias pode nos levar a lugares inimagináveis e a consequências catastróficas. Se sabemos que algumas ferramentas estão ainda em “fase de testes”, ou mesmo que alguns de seus mandantes podem nos manipular ou mesmo afetar de alguma forma a vida dos que nos são confiados, devemos também alertar aos fiéis de nossas igrejas, bem como aos colegas de ministério, dos perigos possíveis disponíveis nesse mundo digital.

É possível manter a conexão entre os membros em um ambiente híbrido?

O hibridismo físico-virtual nos relacionamentos se tornou uma prática em nossas vidas, seja no trabalho, na família e demais relacionamentos, mas isso não significa que devemos abdicar do que as ferramentas desse ambiente híbrido têm a nos oferecer. A pandemia da COVID-19 trouxe algo similar a um raio-x global, expondo questões importantes e relevantes que não estavam em nossa agenda de preocupações, principalmente quanto aos nossos relacionamentos. Em muitos sentidos, a crise provocada pela pandemia acelerou processos e amplificou crises que estariam “abafadas” pelas novidades da sociedade tecnológica, que faziam parte de um profundo e duradouro processo de mudança em curso.

Ficar em casa juntos, quase que 24 horas por dia, expôs os problemas acumulados nos relacionamentos familiares. Para muitos, descortinou-se a personalidade de colegas, amigos e familiares próximos que não se expunham até então por conta da correria e distância provocada pelo trabalho em outro espaço geográfico. Isso forçava os encontros intra-familiares a serem menos intensos e frequentes; mas, com a pandemia e a extrema necessidade de reclusão física e geográfica, não havia mais “escapes” e a realidade dos fatos se expôs para a maioria de nós, revelando quem somos de fato, de forma mais intensa.

Ao mesmo tempo, a igreja também não escapou do efeito colateral da pandemia. Com a necessidade de cultos e reuniões virtuais, muitos adeptos ficaram meses sem participar nos templos e mesmo sem se reunir com outros fiéis. Abriu-se uma nova possibilidade, ainda que forçada, do exercício de uma religiosidade menos centrada na instituição, no dia e no local sagrados. No início da pandemia, por força das exigências de distanciamento, a experiência religiosa adentrou no ambiente digital e forçou a muitos a participarem da igreja de forma distante — física e temporalmente —, sem a outrora celebrada “comunhão” dos fiéis.

Depois do primeiro impacto da crise avassaladora que nos tomou de surpresa, surgiram novas possibilidades de encontros virtuais (digitais ou on-line) em plataformas da internet. Igrejas criaram ou ampliaram seus ministérios de comunicação, que passaram a ter enorme importância na conservação da unidade do grupo. Assim, se estabeleceu uma nova forma híbrida de experiência religiosa, ainda em seus estágios iniciais de desenvolvimento, a respeito o qual ainda não sabemos muito sobre seu destino. É certo que nesse momento muitos estão usufruindo das vantagens do novo modelo híbrido. Mas também é certo que poucos têm condição de saber os danos colaterais desse novo modelo. Porém, uma coisa é certa: a forma de se vivenciar a experiência religiosa mudou em praticamente todo o globo.

Há algum tempo existe nos Estados Unidos o que diversos pesquisadores chamam “nones”[1], ou seja, aqueles que, por vários motivos, não se identificam com nenhuma filiação religiosa e “dones”[2], que são os que cansaram da religião. Ambos têm um traço em comum: são grupos principalmente ligados ao cristianismo. De acordo com o artigo “The Rise of the ‘Umms’” de Mike Moore, publicado na Christianity Today,

pesquisas iniciais sobre a pandemia sugeriram que até um terço dos fiéis pararam de frequentar a igreja. Dados mais recentes mostram que a maioria das igrejas está abaixo da frequência pré-pandemia. Um estudo divulgado no início deste ano revela que a frequência à igreja caiu 6%, saindo de 34% em 2019 para 28% em 2021 (MOORE, 2022).

Ainda nesse artigo, o que nos surpreende é a indicação de um novo grupo inicialmente denominado de “umms”[3], que estaria surgindo como mais um que se distancia da igreja, podendo ser tanto pessoalmente quanto online. Segundo Moore,

eles gostam da igreja local e foram membros ativos no passado. Levam Jesus a sério e querem pertencer a uma congregação local. Não são amargos ou cínicos. Na verdade, de alguma forma os “umms” se sentem desconfortáveis por não estarem comprometidos com uma igreja local. Como resultado, há uma lacuna entre seu desejo e sua situação. Eles são “umms” porque estão incertos e hesitantes sobre como se engajar novamente com a igreja. E embora suas histórias individuais sejam inúmeras e difusas, gostaria de apresentar quatro tipos potenciais de “umms” e suas lutas: desorientados, desmotivados, desencorajados ou desencarnados (MOORE, 2022).

Moore ainda afirma que esse grupo é composto pelos que se sentiram deslocados física e relacionalmente de seu lugar geográfico e de pessoas que, por anos, faziam parte de suas vidas. Porém, esse período de pandemia os deixou como que “vagando”, sem porto seguro ou grupo de apoio, na busca de uma outra igreja para chamar de lar. No entanto, depois de experimentarem essa sensação de falta, mas também de liberdade e de possibilidade de escolha, eles não mais pensam em frequentar as igrejas nos moldes tradicionais pré-pandemia, inclusive em dias e locais sagrados. Esse grupo seria o resultado prático e visível do efeito da pandemia para a igreja e talvez um dos maiores desafios para pastores e líderes.


[1] “None” é uma palavra que poder ser usada em lugar de “nenhum”, mas de uma maneira incisiva.

[2] “Done” é uma palavra que pode ser usada para demonstrar cansaço e fim-da-linha com algo.

[3] “Umm” é uma palavra que pode ser usada para expressar “dúvida” ou “incerteza” ou para preencher uma pausa ao hesitar em falar sobre algo. A palavra como está aqui grafada (umm) ainda não é encontrada no Dicionário Webster. Disponível em: <https://www.merriam-webster.com/thesaurus/umm>. Acesso em 01 de abril de 2022. Uma variação (um) significa indicação de hesitação. Disponível em: <https://www.merriam-webster.com/dictionary/um#examples>. Acesso em 01 de abril de 2022.

Conclusão

Diante disso, acreditamos que a relação fiel-igreja precisa ser repensada e profundamente reavaliada à luz da crise instalada, com o objetivo de recuperar essas pessoas que, de alguma forma, tornaram-se mais um grupo que questiona os fundamentos litúrgico-devocionais do sistema tradicional eclesiástico. A seguir, listamos algumas ações que julgamos importantes para pastores e líderes nesse momento pós-pandemia:

            Precisamos ampliar e aprofundar nosso conhecimento sobre sociedade em rede, internet, redes sociais, novas tecnologias, bem como sobre seus problemas.

            Precisamos ampliar nossos horizontes físicos e geográficos e refletir sobre como podemos alcançar aqueles que, de alguma forma, estão em um estágio intermediário de afastamento ou de crise com a igreja.

            Precisamos refletir sobre os conceitos de “igreja em casa”. Especificamente, precisamos reconsiderar que, dentre os lugares físicos que nos reunimos, os “lares” podem trazer a ideia e a memória de conforto e aconchego.

            Precisamos entender que nosso distanciamento não precisa ser permanente, e que, por essa razão, devemos buscar novas formas de amparo e comunhão aos que estão temporariamente afastados.

            Por fim, precisamos também lembrar de que, como pastores e líderes, devemos mostrar na prática aquilo que uma comunidade cristã pode trazer de bom para os necessitados e aflitos, principalmente em relação a todo sofrimento decorrente da pandemia na intenção de resgatar os “nones”, “dones” e “umms”, já que mesmo em meio ao sentimento de desorientação, desmotivação, desânimo e desencaixe, Deus não nos abandonou.

Referências bibliográficas

CARTER, Paul. Pastoring after this pandemic. TGC Canadian Edition, 21/02/2021. Disponível em:  <https://ca.thegospelcoalition.org/columns/ad-fontes/pastoring-after- this-pandemic/> Acesso em 31/03/2022.

HARARI, Yuval Noah Harari. Notas sobre a pandemia. E breves lições para o mundo pós-coronavírus. Tradução: Odorico Leal. (1a ed.) São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

MORIN, Edgar. É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020 (edição do Kindle).

ROMERO, Oscar. The violence of love. Farmington, PA: Plough Publishing House, 2007.

ZAKARIA, Fareed. Dez lições para o mundo pós-pandemia. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020 (edição do Kindle).

God, Mammon and real estate. The world’s religions face a post-pandemic reckoning. The Economist. Versão online da edição impressa de 8-14/01/2022. Disponível em <https://www.economist.com/international/2022/01/08/the-worlds-religions-face-a-post-pandemic-reckoning> Acesso em 29/03/2022.


Sobre o autor

Marcos Simas é Doutor em Ciências da Religião pela UMESP. É professor do programa de Mestrado em Teologia Profissional da FTSA. E-mail: ma**************@ft**.br