Editorial | Igreja pós-pandemia – Por Cezar Flora & Rubens Muzio

O ano de 2020 entrou para a história. Sem fazer distinções, o vírus ameaçou a todos. Porém, embora todos tenham caído na mesma tormenta, as formas de enfrentamento foram distintas. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que colocou todos em risco, escancarou diferenças – que, em algumas situações, tornaram-se abismos. Essa situação não foi diferente para as igrejas. Se todas foram atingidas, as respostas foram distintas. No entanto, para além do vírus, outros fatores se fizeram presentes, esgarçando as relações intra e intercomunitárias. Se antes da pandemia não era possível falar de “uma” igreja brasileira, pois essa sempre foi plural, muito mais agora. De estratégias de enfrentamento, algumas das posições assumidas tornaram-se bandeiras de distinção.

Desde o primeiro momento, diversas reflexões foram empreendidas. Tanto sobre as medidas necessárias de enfrentamento, quando sobre os possíveis resultados dessas medidas. Porém, como em qualquer tema, a passagem do tempo permite novas considerações e ponderações sobre o que foi e seus significados para o futuro. O título dessa edição, Igreja pós-pandemia, não tem por objetivo marcar o fim dos tempos pandêmicos, mas pensar sobre as inúmeras questões para as quais as igrejas precisam se atentar, a fim de serem fiéis a sua vocação de povo de Deus. Pensando na vida comunitária, a pergunta poderia ser formulada nos seguintes termos: quais são as implicações eclesiológicas trazidas pela pandemia?

Em primeiro lugar, pensar as implicações da inserção do digital. As igrejas que já contavam com uma estrutura pronta para transmissão de seus cultos, ou que já exploravam de forma efetiva o digital como ferramenta institucional saíram na frente. Luz, câmera e ação. No entanto, para muitos, nada mais que uma câmera de celular. Quanto à inserção do digital, a pandemia apenas acelerou um processo em andamento. Mas, que ambiente é esse que as igrejas se viram obrigadas a entrarem. Simas, em seu artigo Uma reforma digital, discorre sobre as particularidades do ambiente digital, pontuando tanto as suas potencialidades quanto as suas armadilhas, principalmente em relação aos algoritmos que, na medida em que buscam fidelizar consumidores acabam por criar bolhas sociais.

Em segundo lugar, pensar os efeitos e desafios da polarização. Acima mencionamos que outros fatores, para além do vírus, potencializaram a criação de alguns abismos. Dentre esses fatores, a política. Conforme pontua Baggio, em seu artigo O mundo e a Igreja pós-pandemia, a polarização já vinha dando sinais pelo mundo afora, mesmo antes da pandemia. Porém, o vírus a acentuou ainda mais.  No Brasil, a polarização que ganhou corpo ao longo da pandemia implicou profundamente nas eleições presidenciais de 2022. E essa polarização também fustigou a igreja. Em seu artigo, Baggio contribui para essa reflexão indicando caminhos para a atuação da igreja frente as particularidades de mundo “pós” pandemia.

Em terceiro lugar, pensar as implicações para a espiritualidade. Quanto ao impacto na dimensão interna da espiritualidade, Zagari, em seu artigo As duas dimensões da espiritualidade cristã pós-pandêmica, pontua que a pandemia não diminuiu a maldade humana, nem alterou o potencial humano de fazer o bem. Ou seja, não houve alteração do status geral da humanidade desde a criação. Porém, no que se refere aos impactos na dimensão externa, o autor pontua os maiores desafios que nos levam pensar sobre a liturgia numa era tecnológica, o papel do edifício e as consequências de uma outra pandemia, a da solidão. Assim, a construção de relações saudáveis, fortes e significativas precisa ser um dos fatores determinantes de qualquer reflexão.

Em quarto lugar, uma reflexão eclesiológica. Rubens Muzio, em seu artigo O que exatamente é a igreja, chama atenção para as dimensões que precisam ser balanceadas na vida de qualquer igreja local, independente de suas estratégias de atuação: a comunhão, a proclamação, o serviço e o testemunho. Conforme o autor, embora as respostas da igreja possam ser múltiplas, uma igreja saudável deverá buscar um equilíbrio entre essas áreas, a fim de ela não se volte apenas para si, comprometendo a sua identidade e vocação.

Por último, Borges et al. propõem uma reflexão crítica sobre certas respostas ofertadas por algumas comunidades, fortemente enviesadas com fatores políticos. Em Tons de uma eclesiologia fragilizada os autores pontuam questões sociais brasileiras, que não são de hoje, mas que, de certa forma, foram intensificadas pela pandemia. Assim, com esse ponto de referência, avaliam certas respostas apressadas e superficiais.

Esperamos que você aprecie a leitura dos textos aqui selecionados, e que eles possam contribuir com direcionamentos e reflexões relevantes para os desafios pastorais do nosso tempo.

Sobre os autores

Cezar Flora é Bacharel e Mestrando em Teologia pela FTSA;
Graduado em Teologia e Filosofia; Professor da Faculdade
Teológica Sul Americana. Contato: cezar.flora@teologia.com.br


Rubens Muzio é doutor em teologia pastoral, professor da
FTSA e missionário da Sepal. Contato: rubens@ftsa.edu.br.