As duas dimensões da espiritualidade cristã pós-pandêmica | Por Maurício Zágari

Introdução

Embora epidemias tenham marcado a história, como a da peste negra e a da gripe espanhola, nunca a espécie humana enfrentou uma pandemia real, muito menos nas proporções da COVID-19, alimentada pelo transporte aeroviário que permite a um indivíduo infectado atravessar o planeta em poucas horas. O resultado foi um ineditismo que pegou o ser humano de surpresa em escala global e o levou a tentar se enxergar nessa nova realidade de vida de maneira radical, em busca de compreender o incompreensível e se vendo obrigado a lidar com um cotidiano sem precedentes.

Em meio a esse cenário, a Igreja de nosso Senhor, Jesus Cristo, se viu igualmente confrontada pelo ineditismo da situação. Perguntas surgiram de um momento para outro, sem aviso prévio nem preparação, que demandaram reflexões e respostas rápidas, criativas e que mexeram com as entranhas de nossa eclesiologia. Como viver em comunidade se não se pode aglomerar? Como adorar coletivamente se é preciso preservar distanciamento social? Como cear em comunidade se não se pode tirar a máscara? Como dar e receber amor e consolo se não se pode abraçar? Como pastorear se não se pode visitar? Como evangelizar se não é possível estar junto? Perguntas como essas avassalaram a família de Cristo em todo o planeta, exigindo respostas rápidas e que não ferissem a essência do que as Escrituras estabelecem para a práxis diária do Corpo de Jesus.

Porém, com a vacinação e os avanços científicos no combate à covid-19, o ano de 2022 vê a névoa, aparentemente, começar a se dissipar e a descortinar novas possibilidades no horizonte. Surgem, então, naturais curiosidades acerca do legado que a pandemia deixará para a Igreja e o mundo, aquilo que se convencionou chamar de “novo normal”. E, em meio a isso, uma pergunta central: que reflexões o SARS-CoV-2 deve promover no seio da Igreja? É sobre isso que desejamos tratar neste artigo.

O impacto da pandemia nas duas dimensões da espiritualidade: externa e interna

Tão logo a pandemia eclodiu, em março de 2020, a família de fé cristã olhou para a escatologia, questionou os significados do evento à luz das Escrituras e iniciou uma jornada de reflexões que tinha, em sua essência e frequentemente de forma inconsciente, a necessidade de responder a uma simples pergunta, que paradoxalmente é absurda e complexa em suas respostas e desdobramentos: o que Deus quer com isso? Enxergar a mente divina e tentar compreender esse elemento da equação cósmica com clareza é virtualmente impossível. “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Por que quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?” (Rm 11.33-34).

Apesar dessa dificuldade, podemos estimar desdobramentos da pandemia de COVID-19 sob duas dimensões: a externa e a interna. Se, por um lado, vislumbrar o futuro não nos é possível, uma vez que só o Deus que habita fora do tempo tem a possibilidade da onisciência, podemos, sim, buscar compreender as principais reflexões que o evento COVID-19 deve promover no seio da cristandade. É esse exercício que faremos a seguir.

O impacto da pandemia na dimensão interna

Entendemos a dimensão interna da espiritualidade como aquela que afeta o interior do ser humano, a saber, a alma, a mente, o coração, as emoções, as percepções, o repensar de valores e princípios. São elementos que podem contribuir para a metanoia, isto é, para um ressignificar da jornada a partir do impacto das experiências sobre o ser. É uma dimensão ontológica, reflexiva, pessoal, cuja dinâmica de santificação e amadurecimento encontra sua melhor expressão bíblica na expressão paulina: “[…] deixem que Deus os transforme por meio de uma mudança em seu modo de pensar, a fim de que experimentem a boa, agradável e perfeita vontade de Deus para vocês.” (Rm 12.2). Do ponto de vista dos impactos da pandemia de COVID-19 sobre a dimensão interna e pessoal dos indivíduos como um todo, nossa visão é conservadora, no sentido de que acreditamos na conservação das dinâmicas anteriores à eclosão da COVID-19 em escala global, sem muitas alterações.

É fato que houve conversões e um despertamento das atenções na busca de esperança metafísica durante a pandemia. Três dos maiores ministérios de evangelismo online do mundo — OGM, BGEA e Cru — mostraram que, durante o primeiro mês de pandemia (entre março e abril de 2020), o número de pessoas que buscaram informações online a respeito de Jesus aumentou 170%. As 12,4 milhões de apresentações do evangelho em março de 2020 por esses ministérios representaram um aumento de 16% em relação à média mensal de 2019. Dados da Universidade de Copenhague mostraram que, no mesmo março de 2020, pesquisas na Internet relacionadas à oração em 75 países dispararam para seus níveis mais altos em cinco anos.[1]

Embora sabedores do potencial transformador do sofrimento quando sob a condução e a ação graciosa do Espírito Santo, que notoriamente levou muitos à conversão a Cristo no período da pandemia, fatos dos dois primeiros anos do evento COVID-19 sugerem uma preservação do ser humano na condição em que sempre se encontrou, desde a Queda. Em outras palavras, em grande escala, quem praticava a maldade oportunizou a pandemia para seguir em seus maus caminhos e os que amavam o bem buscaram exercer misericórdia e graça no período — uma sintonia íntima com as palavras do anjo de Apocalipse 22.11: “Que o mau continue a praticar a maldade; que o impuro continue a ser impuro; que o justo continue a viver de forma justa; que o santo continue a ser santo”, numa dinâmica que não sugere alterações até a parousia.

Logo no início do evento COVID-19, muito se discutiu sobre se o ser humano se tornaria mais humilde, gracioso e solidário em decorrência dos desdobramentos do fenômeno, porém, o que se viu ao longo dos dois primeiros anos de pandemia foi a preservação da condição do ser que prevalece desde o Éden (Rm 3.10-17).

Os eventos sociais demonstraram pessoas em posição de poder que usaram a pandemia para se beneficiar egoística e economicamente. Um levantamento da Controladoria-Geral da União brasileira aponta que o prejuízo em desvio de recursos para a COVID-19 destinados a estados e municípios pode chegar a R$ 300 milhões. O ano de 2020 alcançou o maior número da série histórica de operações de combate à corrupção pelo Brasil, desde 2003, com 97 operações, das quais 47 relacionadas a verbas para o enfrentamento à pandemia. Em 2021, ocorreram mais 57 operações, das quais 31 envolveram dinheiro da pandemia.[2] Dados como esses mostram que a pandemia serviu de campo arado para a semeadura do mal por corações maus.

A leitura dos jornais diários ratifica essa percepção. Vemos atores esbofeteando colegas em rede internacional de TV, cristãos e não cristãos se exprimindo com violência verbal e ódio em redes sociais, políticos ofendendo políticos publicamente com termos de baixo calão, nações declarando guerras sangrentas contra outras nações e dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostram que em 483 cidades brasileiras houve aumento de casos de violência contra a mulher durante a covid-19, em 269 municípios houve elevação nas ocorrências de violência contra criança e adolescente, em 173 foram registrados mais episódios de agressão contra idosos, e em 71, contra pessoas com deficiência. Somados, os percentuais de cidades onde houve acréscimo de casos de agressão contra diferentes segmentos chegam a 41,9% dos municípios ouvidos no estudo.[3] Em suma: a pandemia não diminuiu em nada a maldade humana.

É evidente que, em contraponto, houve muitas ações benignas nesse período. Exemplos são ações da Igreja Católica Apostólica Romana, com doações vultuosas de recursos, disponibilização de estruturas, distribuição de vale-refeição e confecção de máscaras doadas gratuitamente à população.[4] Ou iniciativas da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), em conjunto com o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN) e o Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA), que se devotaram a promover ações de ajuda humanitária para fomentar segurança alimentar e sanitária para milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade.[5] Ou, ainda, o projeto Pastores pela Vida, da Visão Mundial, destinado a arrecadar fundos para dar atendimento a líderes religiosos em situação de carência financeira em decorrência do fechamento de templos.[6]

Pesquisas online mostram uma infinidade de ações, promovidas por indivíduos, instituições privadas, governos, organizações religiosas e organizações não-governamentais em favor do próximo, com todo tipo de auxílio — desde ações de promoção da saúde emocional até doações financeiras e de amparo médico. Em suma: a pandemia não alterou o potencial humano de fazer o bem.

Portanto, o que a análise dos fatos nos permite ver é que, embora o medo gerado pela pandemia tenha levado muitos a refletir sobre sua frágil condição humana e a enxergar em Cristo um caminho viável de segurança, esperança e paz, de modo geral e sistêmico o que se viu nesses dois anos foi a preservação do status geral da humanidade desde a Criação: pessoas praticando atos de maldade e pessoas praticando atos de bondade, a depender de sua condição diante da própria pecaminosidade e da sua cosmovisão de mundo. Houve corrupção e maldade antes da pandemia, segue havendo corrupção e maldade durante a pandemia, seguirá havendo corrupção e maldade após a pandemia. Houve generosidade e amor antes da pandemia, segue havendo generosidade e amor durante a pandemia, seguirá havendo generosidade e amor após a pandemia.

O impacto da pandemia na dimensão externa

Já a dimensão externa da espiritualidade é aquela que remete aos relacionamentos, aos vínculos sociais, à interação humana, aos conceitos sociais, às relações litúrgicas. É o impacto que se visualiza nas práticas e nos costumes, na organização dos encontros, na expressão visível da interconexão pessoal. É a dimensão onde se manifesta de forma visível o amor, a compaixão, a prática das boas obras, e que tem sua maior expressão na orientação joanina: “Esta é a mensagem que vocês ouviram desde o princípio: que amemos uns aos outros. […] Filhinhos, não nos limitemos a dizer que amamos uns aos outros; demonstremos a verdade por meio de nossas ações.” (1Jo 3.11,18). Entendemos que é do ponto de vista dos impactos da pandemia de COVID-19 sobre a dimensão externa da espiritualidade que se notarão as maiores mudanças no “novo normal”. Se a realidade ontológica do ser humano não sofreu variações dignas de nota, a dinâmica dos relacionamentos parece sugerir modificações, em especial se pensarmos em termos de vida eclesiástica.

No âmbito institucional, o impacto da pandemia sobre as igrejas evangélicas foi expressivo. Em sua obra O impacto da pandemia nas Igrejas: Fatos e relatos de uma perspectiva pastoral, Edivanio das Neves procurou apresentar um diagnóstico desse impacto nas igrejas brasileiras, à luz de pesquisas e entrevistas que realizou. Entre os fatos elencados estão os desdobramentos do isolamento social nas igrejas, o desenvolvimento de estratégias de conexão litúrgica e pessoal utilizando a Internet, a celebração de cultos de forma on-line e a criação de novas liturgias de culto — como o culto em sistema drive thru e drive in. A pesquisa de Neves sublinha, ainda, impactos financeiros sobre muitas igrejas sofreram, além do luto com a perda de irmãos e pastores: “As igrejas não estão imunes aos males destes séculos. Não existe uma bolha que envolve a igreja no sentido de defendê-la das adversidades atuais. O que a sociedade vive, a igreja vive, o que a família sente reflete diretamente na igreja”.[7] Em seu estudo, Neves indica que os fiéis, em geral, ainda são muito condicionados ao exercício da fé no templo e, como os templos foram fechados, “muitos ficaram meio perdidos, sem saber como proceder”.[8] O autor ressalta que o distanciamento dos templos levou a “um esfriamento na fé” em muitos.[9]

Na obra Deus e a pandemia, o bispo anglicano N. T. Wright ratifica esse esfriamento e ressalta que o evento COVID-19 gerou desdobramentos bem práticos na espiritualidade externa cristã, à luz da nova realidade provocada pelo isolamento e pelo distanciamento decorrentes da pandemia:

Começo com o argumento de Lutero de que não devemos espalhar a infecção. Isso é irresponsável. É brincar com a vida de outras pessoas. E, se amamos mais os edifícios de nossa igreja do que nossos vizinhos, ai de nós. […] Mas, por outro lado, temo que a igreja on-line possa facilmente nos fazer dizer: “Oh, não precisamos nos encontrar pessoalmente, porque esses são assuntos espirituais”. Então você pode adorar a Deus em seu quarto, em seu pijama, tanto quanto em qualquer outro lugar? Bem, em certo sentido, você pode. Mas o cristianismo é um esporte em equipe. É algo que fazemos juntos. Pense no fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio (Gálatas 5.22–23). Todas são coisas que fazemos juntos. Você não pode praticar essas virtudes separadamente uma da outra. E, assim, quanto antes voltarmos juntos, com sabedoria, melhor. Quanto a receber a Eucaristia, sim, podemos fazê-lo por vídeo, mas também existe um sentimento de jejum, privação e exílio, porque o corpo de Cristo — a família maior do povo de Deus — não está fisicamente presente conosco.[10]

Para Wright, a pandemia não deve conduzir prioritariamente a perguntas relacionadas a condenação e julgamento — seja no sentido escatológico, seja no sentido pessoal —, mas, sim, a questionamentos relacionais e consequentes, que tratam das questões imediatas e práticas, como: qual deve ser a resposta cristã à pandemia? Como devemos pensar em Deus? Como vivemos no presente? Por que devemos lamentar? O que devemos aprender sobre nós mesmos? Como nos recuperamos? E, nesse sentido, é importante pensar em Deus como um ser presente e que age no hoje.

Quando o mundo está o caos, como está em geral, mas particularmente em momentos como agora, seria muito fácil imaginar a igreja se afastando e dizendo: “Que pena o mundo estar tão bagunçado. Mas pelo menos sabemos as respostas”. Mas não, Paulo diz que, quando o mundo está gemendo com dores de parto, então nós mesmos — que temos as primícias do Espírito, a agitação da nova criação de Deus dentro de nós — gememos enquanto aguardamos nossa adoção como filhos e filhas, a redenção de nossos corpos (Rm 8.23).[11]

Diante dessa realidade inédita e seus desdobramentos, entendemos que uma das maiores questões geradas pela pandemia no que tange à dimensão externa da espiritualidade é a necessidade premente e urgente de os eclesiólogos buscarem respostas para o que se nos apresentou. A dificuldade maior é que a COVID-19 trouxe à tona questões importantes, mas que não têm respostas prontas nem imediatas. Apesar disso, a práxis das igrejas traz demanda com avidez.

Uma das questões é pensarmos nossa liturgia em uma era tecnológica. Não podemos fugir da realidade que se apresentou, dos cultos on-line, dos encontros de células por videoconferência, das aulas de EBD por softwares de videochamadas, da transmissão de eventos por YouTube. De que maneira esse cenário coaduna com a adoração e o culto em termos escriturísticos? Como conciliar tal realidade com orientações passadas a nós dois milênios antes do surgimento das redes sociais? Essa reflexão urge dos eclesiólogos respostas pensadas, embasadas na Palavra de Deus, fruto de diálogo e de uma visão realista da vida.

Outra questão — decorrente da primeira — é pensarmos no papel do edifício em que os encontros da família de fé ocorrem. De que maneira aquilo que chamamos “casa de Deus” mostrou ser de fato casa de Deus durante a pandemia? Que desdobramentos psicológicos, emocionais, koinônicos e espirituais a percepção de que se pode assistir — sem participar presencialmente — de um culto tem sobre o entendimento amplo acerca da presencialidade da adoração? Precisamos de respostas.

Há, ainda, uma pergunta poimênica: como manter o cuidado pastoral diante de uma realidade de ausência compulsória dos locais de ajuntamento? E o que a deficiência de muitas lideranças nesse sentido falou acerca da maneira como temos pastoreado o rebanho de Cristo? O distanciamento social, associado ao medo e ao estresse decorrentes da pandemia de COVID-19, afetou a saúde mental dos brasileiros, segundo pesquisa do Departamento de Neuropsiquiatria da UFSM. E o sentimento de solidão foi identificado como a principal causa de pensamentos suicidas nesse período. A pesquisa, desenvolvida nos primeiros meses da pandemia, foi feita em duas etapas: a primeira entre maio e junho e a segunda entre junho e julho de 2020, junto a 1674 pessoas. A constatação: dentre as variáveis analisadas, a solidão foi a mais significativa.[12] E isso é grave.

Pesquisa que realizamos para a escrita do livro A cura da solidão: O caminho para vencer a dor de se sentir solitário mostrou que está em curso aquilo que cientistas têm chamado de uma pandemia de solidão. O estudo “Social relationships and health”. [“Relacionamentos sociais e saúde”], publicado na edição 241 da prestigiosa revista científica Science, mostrou que 20% dos indivíduos — o equivalente a quarenta milhões de pessoas no Brasil — sentem-se isolados o bastante para que isso seja a sua principal fonte de infelicidade. É um quadro avassalador se levarmos em consideração exclusivamente aspectos de saúde mental e física.

Diante desse quadro, é fácil enxergar a solidão como uma epidemia de proporções planetárias em andamento, o que se torna ainda mais problemático pelo fato de o isolamento social ter um impacto na saúde comprável ao efeito da hipertensão, do sedentarismo, da obesidade e do consumo de tabaco. […] O estado de espírito que chamamos de solidão prejudica diretamente a saúde da pessoa em grande parte por derrubar as defesas imunológicas e aumentar os processos inflamatórios, o que pode levar a artrite, diabetes tipo II e doenças cardíacas letais. A solidão crônica coloca a pessoa em estado de alerta constante, porque, destituída de relacionamentos significativos com outras pessoas, ela tem de se defender de tudo sozinha. Como resultado, o solitário passa mais tempo com altas concentrações de cortisol, hormônio ligado ao estresse. (ZÁGARI, 2020, p. 42, 66)

Se essas consequências físicas gravíssimas são decorrentes de aspectos somatizados a partir de uma situação de abatimento emocional e espiritual gerada por solidão e distanciamento, fica claro que o papel da igreja — seja do pastor, seja do irmão na fé — é fundamental no amparo aos fiéis. E a reflexão sobre o que esse amparo significa é vital para o exercício saudável da dimensão externa da espiritualidade. Nesse sentido, as lideranças e os teólogos precisam promover o entendimento no seio do Corpo de Cristo de que a cura para a solidão somos nós mesmos, uma vez que “Solidão não tem nada a ver com a quantidade de pessoas com quem o indivíduo se relaciona, mas, sim, com a qualidade desses relacionamentos. A solidão ocorre porque a pessoa não desfruta dos relacionamentos na profundidade que gostaria.” (ZÁGARI, 2020, p. 60).

Algo que a pandemia deflagrou é a necessidade de se entender que o que mantém coeso e saudável o Corpo de Cristo não são programações, não é ativismo eclesiástico, não é somente a presença física no espaço de culto: são conexões relacionais saudáveis, fortes e significativas — algo que está no cerne daquilo que chamamos de cristianismo.

Precisamos cumprir nosso papel de agentes da cura. Como? Ofertando-nos ao maior número possível de pessoas, na tentativa de estabelecer conexões profundas. Se cada um de nós fizer isso, às centenas, aos milhares, é certo que a quantidade de vítimas da solidão alcançada por nosso gesto de amor será enorme. […] A comunhão necessariamente tem de ser uma fusão emocional. É a capacidade de chorar com quem chora e se alegrar com quem se alegra não por obrigação, mas sentindo alegria verdadeira nisso. É haver uma preocupação real e profunda com o outro. É empatia. ZÁGARI, 2020, p. 107, 113.

Portanto, precisamos lidar com o fato de que as igrejas cristãs, lamentavelmente, abrigam hoje multidões de solitários, quando deveriam ser o ambiente mais acolhedor da terra. Nem mesmos pastores e líderes escapam dos horrores da desconexão relacional. E, pelo caráter contraditório que há entre a proposta do cristianismo e a realidade das igrejas, algo deve ser feito com máxima urgência a fim de resolver o problema.


[1] Disponível em: < https://www.christianitytoday.com/news/2020/april/pesquisas-coronavirus-covid-levam-milhes-ouvir-sobre-jesus.html>. Acesso em: 3 de mar. de 2022.

[2] Disponível em: < https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/desvio-de-verba-para-a-covid-19-pode-chegar-a-r-300-milhoes-diz-cgu/>.  Aceso em: 8 de mar. de 2022.

[3] Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-08/violencia-contra-mulheres-cresce-em-20-das-cidades-durante-pandemia>. Acesso em: 22 de fevereiro de 2022.

[4] Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2020-04/igreja-catolica-coronavirus.html>. Acesso em 10 de mar. de 2022.

[5] Disponível em: <https://fld.com.br/capa/ecoforte/2020/acoes-de-ajuda-humanitaria-promovem-seguranca-alimentar-e-sanitaria-a-familias-afetadas-pela-covid-19/>. Acesso em: 4 de fev. de 2022.

[6] Disponível em: <https://visaomundial.org.br/noticias/visao-mundial-retoma-projeto-pastores-pela-vida-para-apoio-a-lideres-religiosos-afetados-pela-pandemia>. Acesso em 15 de fev. de 2022.

[7] Disponível em: < https://www.progresso.com.br/cotidiano/pastor-douradense-escreve-livro-sobre-o-impacto-da-pandemia-nas/382735/>. Acesso em: 28 de mar. de 2022.

[8] Ibid.

[9] Ibid.

[10] Disponível em: <https://www.christianitytoday.com/ct/2020/august-web-only/igreja-deus-pandemia-nt-wright-coronavirus-pt.html>. Acesso em: 22 de fev. de 2022.

[11] Ibid.

[12] Disponível em: <https://www.ufsm.br/midias/arco/setembro-amarelo-solidao-pandemia/#:~:text=O%20distanciamento%20social%2C%20associado%20ao,est%C3%A1%20necessariamente%20associado%20ao%20isolamento>. Acesso em: 04 de fev. de 2022.


Considerações finais

A COVID-19 chegou como um grito de alerta para a Igreja de Cristo, com holofotes voltados para as duas dimensões da espiritualidade cristã.

A realidade pós-pandêmica da dimensão interna aponta para a manutenção do status humano, prevalente desde a queda, sem mudanças significativas. Humanos seguem praticando a maldade, humanos seguem praticando a bondade. A pandemia não testemunhou avivamentos, despertamentos ou fenômenos espirituais que mereçam notas nos livros de história. Internamente, o ser humano seguiu em sua humanidade e tudo indica que continuará a seguir ao fim da pandemia. Essa constatação sublinha a necessidade de a Igreja prosseguir na sua missão, proclamando o evangelho de Jesus para a salvação dos pecadores e a ética cristã para o bem viver na realidade hodierna. É cumprir o grande mandamento, amando a Deus e ao próximo, cumprindo a Grande Comissão e compartilhando as boas-novas que o Eterno encarnado nos apresentou. A pandemia veio e se vai, mas a Igreja precisa continuar realizando o que sempre realizou, a fim de levar a Palavra de Deus a todo ouvido, atitude essencial de semeadura para que o Santo Espírito germine reconciliação com o Pai e vida eterna.

Já a realidade da dimensão exterior pós-pandêmica pede atenção e muitas reflexões. Como pensadores da teologia, é forçoso encontrarmos respostas às questões que a pandemia despertou, em especial no que tange à nossa eclesiologia. Precisamos refletir sobre o papel do templo e como isso afeta nosso ensino e nossa pregação. Precisamos refletir sobre nossas liturgias e como os avanços tecnológicos que se mostraram acessíveis e úteis em tempos de distanciamento se incorporarão à vida eclesiástica pós-distanciamento. E, mais do que tudo, precisamos rever e repensar como temos nos conectado enquanto membros do mesmo Corpo, responsáveis mutuamente pela saúde emocional e espiritual uns dos outros, numa conexão que vá além dos encontros dominicais no local de culto.

O fato de a pandemia e seu distanciamento terem virado os holofotes para a solidão que há em nosso meio grita por soluções. Não é possível a Igreja se acomodar ao ver irmãos e irmãs sem conexões humanas reais e considerar que comunhão espiritual é pizza após o culto e encontros de casais. Ativismo não sana a solidão. Eventos não acalmam almas angustiadas. Sorrisos educados ao fim do culto não aquecem corações. Vidas isoladas não são discipuladas. E isso afeta tudo na vida dos cristãos e em seu relacionamento com Deus. Nesse sentido, a pandemia de COVID-19 tem como maior desdobramento no período que virá após seu fim ter sacudido questões que estavam na gaveta, mas que são essenciais para a vida da Igreja de Cristo. Nesse sentido, Deus está falando. E nós, estamos ouvindo?


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ZÁGARI, Maurício. A cura da solidão: O caminho para vencer a dor de se sentir solitário. Rio de Janeiro: GodBooks, 2020.


Sobre o autor

Maurício Zágari é Publisher da GodBooks Editora, é editor, escritor, teólogo, comentarista bíblico e jornalista, pós-graduado em Comunicação Empresarial. Autor de 14 livros e vencedor de três Prêmios Areté. E-mail: mauriciozagari@yahoo.com.br.