REFUGIADOS: A DIÁSPORA FORÇADA E A IGREJA NO BRASIL | Por José Roberto Prado

Migrar é um fenômeno supracultural conhecido desde a antiguidade. Nasce do nosso instinto de sobrevivência. Migrar também é um direito humano, reconhecido no artigo 13.2 da Declaração Internacional de Direitos Humanos: “Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar”.

O termo “diáspora”, do grego “dispersão”, tem sido usado atualmente para expressar o intenso, inédito e generalizado movimento de povos de norte, sul, leste a oeste que vivemos em nossa geração. Várias são as causas do deslocamento: avanços tecnológicos (transporte, comunicação, medicina), urbanização, crises econômicas, desastres naturais, guerras, criminalidade, fanatismo religioso, e assim por diante.

O Brasil é um país de migrantes. Desde a chegada dos portugueses, em 1500, o país recebeu várias ondas de migrações vindas de diferentes regiões: África, Europa, Oriente Médio e Ásia. Uma das características principais do seu povo e cultura é a miscigenação – a complexa e rica mistura produzida, talvez somente aqui, pelo intenso cruzamento do branco, o negro, o amarelo e o nativo. Somos misturados.

A Igreja evangélica brasileira é viva e conta com um expressivo movimento missional que anseia ser um sinal histórico do reino de Deus entre todos os povos. Como outras nações, nos últimos anos, temos vivenciado a diáspora em várias dimensões. A seguir, refletiremos sobre o fenômeno da diáspora forçada e como a Igreja brasileira tem respondido a ela.

Migrante e refugiado

Apesar dos refugiados engrossarem as fileiras da diáspora mundial, há uma grande diferença entre o migrante e o refugiado. Enquanto o migrante sai voluntariamente para realizar um projeto de vida – estudar, trabalhar ou casar, o refugiado desloca-se contra sua vontade, numa última alternativa para preservar a sua vida.

Para o migrante, a mudança é uma conquista, uma bênção dos céus. Para o refugiado que, como afirma a definição da ONU[1], tem que deixar seu país “por fundado temor de perseguição, seja por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política”, a mudança é seu pior pesadelo.

Aqueles que na fuga atravessam a fronteira de seu país são denominados refugiados. Os que saem de suas casas, mas permanecem dentro do seu país são classificados como “deslocados internos”. Segundo o relatório da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR)[2], vivemos a maior crise humanitária da história, com o deslocamento forçado sendo superior ao da Segunda Guerra Mundial, alcançando 65,3 milhões de pessoas, 51% menores de 18 anos e metade representada por mulheres. Curiosamente, não são os países ricos que acolhem a maioria dos refugiados: 84% estão em países pobres ou em desenvolvimento. Um exemplo, a atual crise de refugiados em Mianmar deslocou em apenas três semanas cerca de 400 mil Rohingyas para o país vizinho Bangladesh, extremamente pobre. Este número é equivalente aos refugiados que chegaram à Europa durante todo o ano de 2016.

A jornada de um refugiado até o país definitivo pode demorar anos, em precárias condições de sobrevivência num país de passagem. Soma-se a isto as travessias por desertos e mares, nas quais os refugiados são alvo de bandos de assaltantes, redes de tráfico humano, tráfico de órgãos e prostituição infantil. Muitos, infelizmente, morrem no percurso da rota de fuga.

É importante considerarmos que chegar ao país de acolhimento é só o início de uma nova batalha. As diferenças culturais, climáticas, linguísticas, religiosas, e assim por diante, irão demandar do refugiado ainda muita energia física, emocional e espiritual. Muito além de vítimas, são corajosos sobreviventes, pessoas com enorme força de vontade e criatividade. Exemplos de resiliência.

Por isso, tanto o governo como a Igreja devem se preparar para acolher o refugiado. Não se trata apenas de estrangeiros em busca de trabalho e melhor renda. São pessoas feridas, vulneráveis, empobrecidas e em busca de um lugar para recomeçarem a vida.

Refugiados cristãos

Para eles há ainda outros dois níveis de crise dentro da crise. Em primeiro lugar, se durante a rota de fuga numa travessia no deserto, num barco em alto mar ou ainda num campo de refugiados, forem identificados como cristãos, tornam-se novamente alvos de violência, sendo lançados ao mar, jogados de caminhões ou ainda assassinados nos campos.

Além disso, justamente eles, que almejam um lugar onde possam adorar a Deus e criar seus filhos em liberdade, do ponto de vista da fé, estão diante de uma grande prova. Perseguidos por sua fidelidade à Cristo, enfrentam o dilema de tentarem entender os caminhos de Deus, as razões para permitir tamanho sofrimento. Não são poucos os que, em algum lugar do caminho, entram em profunda depressão. Precisam de amor, solidariedade, tratamento emocional e encorajamento para que permaneçam firmes na fé.

Refúgio – Marco legal

O Brasil é signatário de todos os tratados internacionais de proteção aos refugiados, como a Convenção de 1951, o Protocolo de 1967 e a Declaração de Cartagena de 1984. Redigida sob a ótica dos direitos humanos e contemplando todos os dispositivos de proteção internacional aos refugiados, a legislação brasileira sobre refúgio pode ser considerada uma das mais abrangentes, generosas e modernas do mundo. Sua abordagem distribui o cuidado do refugiado entre a sociedade civil organizada, o governo e a ACNUR.

Seu “Estatuto do Refugiado”, (Lei 9474/1997) é a primeira legislação abrangente sobre o refúgio na América Latina e se destaca por dois aspectos: incorpora a definição ampliada de refúgio da Declaração de Cartagena (graves violações de direitos humanos) e cria um órgão multiministerial no governo chamado Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) para administrar a questão dos refugiados.

Um dos distintivos dessa lei é a permissão da pessoa solicitar refúgio uma vez que esteja em território nacional, não importando se esteja documentado ou não. O processo é aberto imediatamente, seja num posto de fronteira, ou aeroporto, ou porto. Uma vez aberto o processo o solicitante já é titular de direitos civis, podendo obter documento de identificação, carteira de trabalho e acesso ao sistema público de saúde e educação. Desta forma, o solicitante de refúgio pode circular livremente em todo território nacional, bem como trabalhar enquanto seu processo é julgado pelo órgão do governo (CONARE). Este processo normalmente leva três anos em média. Mesmo que seja negado em primeira instância, o solicitante de refúgio pode recorrer.

Outra característica da legislação brasileira é que ela concede cidadania aos filhos de estrangeiros nascidos no Brasil. Este direito é compartilhado com os pais. Da mesma forma, se um estrangeiro se casar com um cidadão brasileiro ele tem o direito de solicitar a cidadania e, em ambos os casos, este processo é definido em menos de um ano.

Em setembro de 2013 o CONARE publicou a resolução de número 17 (renovada por mais 2 anos em set 2015) que autorizou a emissão de um visto especial para as pessoas afetadas pelo conflito na Síria.

Em novembro 2017 entrou em vigor a “Lei de Migração”. Esta nova lei atualiza o tratamento a todo estrangeiro de maneira geral, substituindo a antiga legislação (Estatuto do Estrangeiro), elaborada na época da ditadura militar, que via o migrante como ameaça. Nesta nova lei é assegurada uma visão humanitária. Também institui o visto temporário para acolhida humanitária, situação que possibilita o reconhecimento da condição de refugiado.

Quantos refugiados há no Brasil e de onde eles veem

Em 1977 foi estabelecido o escritório da ACNUR no Rio de Janeiro e em 1982 o governo brasileiro reconhece oficialmente a ACNUR como órgão da ONU. Gradativamente, entre 1980 e 2000, o Brasil começou a receber pequenos grupos de refugiados, entre eles: vietnamitas, iranianos (da minoria perseguida B’ahai), liberianos e angolanos.

O número de solicitantes de refúgio aumentou exponencialmente (2.868%) entre 2010 e 2015 (de 966 pedidos por ano em 2010 para 28.670 em 2015), sendo a maioria oriunda da África, Ásia (considerando o Oriente Médio) e Caribe.

De acordo com os dados do CONARE (2015-2016), de 2010 a 2016, cerca de 93 mil pessoas solicitaram refúgio no Brasil. Em 2015 eram de 79 nacionalidades. Em 2016 foram de 95, ou seja, somente no ano passado, pessoas de 16 novos países solicitaram refúgio no país. Isto indica que o Brasil tem se tornado um país mais conhecido para acolhimento. Apesar deste aumento no número de países, houve uma queda substancial de 64% no número de solicitações entre 2015-2016. Vários fatores podem explicar esta queda, entre eles o aprofundamento da crise econômica e o endurecimento na política de emissão de vistos para potenciais solicitantes de refúgio (este é caso dos sírios, que agora, apesar da continuidade do conflito, precisam comprovar renda para obter o visto).

Dos cerca de 93 mil solicitantes, 49 mil (52,5%) são haitianos. Dos outros 44 mil solicitantes de outras nações, os principais grupos são:

  • Senegal: 206
  • Venezuela: 904
  • Síria: 851
  • Angola: 634
  • Bangladesh: 445
  • Nigéria: 904
  • Congo: 549
  • Gana: 321

O número de refugiados reconhecidos, ou, que tiveram o seu pedido de refúgio confirmado até 2016 é de 9.552. Se considerarmos somente o ano de 2016, 68% dos solicitantes eram homens e 32% mulheres. Em termos de faixa etária, 41% tinham entre 18 a 29 anos; e 47% entre 30 e 59 anos.

No momento, por conta da instabilidade política na Venezuela, muitos estão atravessando a fronteira e pedindo refúgio no Brasil, no Estado de Roraima. Segundo a Polícia Federal, entraram no Brasil por esta fronteira, desde 2016, 30 mil venezuelanos. Destes, cerca de um terço está em situação regular.

Quando comparamos o número de 93 mil de solicitantes de refúgio com a população brasileira (208 milhões) chegamos à proporção de menos de 0,05%. O que, de fato, é um número muito pequeno. Se considerarmos a quantidade de sírios recebidos (3.851), do total de 4,9 milhões de refugiados em outras nações, chegamos a uma porcentagem parecida (0,07%).

Quais suas maiores dificuldades?

O fato de o Brasil não desenvolver um programa intencional e organizado de reassentamento, estabelecendo cotas anuais e provendo estrutura e apoio aos que chegam, como fazem os EUA, Canadá e Austrália, causa grandes dificuldades aos solicitantes. Sua legislação aberta, recebendo solicitantes sem nenhum tipo de controle ou planejamento, faz com que o próprio sistema de refúgio seja colocado em xeque. Dependendo da crise internacional, a demanda é maior do que a capacidade de atendimento. Foi o que aconteceu com os haitianos e sírios em 2014 e com os venezuelanos em 2017.

Com poucas estruturas de acolhimento e pessoal, o solicitante de refúgio fica por sua própria conta ou à mercê da bondade da população e da capacidade de atendimento das ONGs, em sua grande maioria religiosas (católicas, evangélicas e islâmicas), que também padecem de recursos e estruturas.

Falta de informação: Muitos dos que veem não sabem quase nada sobre o Brasil e seu sistema de refúgio. Assim, acabam se frustrando quando percebem, na prática, que não serão ajudados financeiramente pelo governo. Alguns também, por desconhecimento, acham que poderão se comunicar em inglês no Brasil, mas a verdade é que poucos brasileiros falam inglês. Essa barreira, contudo, é superada pela amabilidade do brasileiro, que mesmo sem entender o idioma do migrante, faz de tudo para ajudá-lo.

Economia: Desde 2015 o Brasil vive uma aguda crise política e econômica. Muitas empresas fecharam nos últimos anos. Temos uma taxa de 14% de desemprego e o custo de vida é alto nas grandes cidades. Com isso, o mercado informal acaba sendo a única alternativa de sobrevivência para o migrante. Em alguns casos, aproveitando sua vulnerabilidade, as redes de trabalho escravo acabam fazendo suas vítimas.

Para aqueles que conseguem um emprego, o setor da construção civil é o que oferece mais vagas. Trabalho braçal e remuneração baixa. É difícil sustentar uma família com uma pessoa só trabalhando. Outros, porém, acabam encontrando trabalho nas cidades médias e pequenas do interior, onde o custo de vida é menor e há empregos no campo e no agronegócio. Vencida a crise política, é certo que a economia voltará a crescer. Isto configurará um bom cenário para os que já estiverem adaptados e com o domínio da língua.

Burocracia: os solicitantes de refúgio que têm um nível de educação mais elevado também encontram obstáculos, pois seus diplomas não são reconhecidos pelo governo. Assim, não conseguem trabalho em sua área, ou quando conseguem, exercem a função, mas recebem um salário bem inferior ao cargo. Esta situação tem gerado reivindicação por parte das ONGs e algum progresso já tem sido alcançado.

Xenofobia e racismo: Como em outras nações, a sociedade brasileira também está experimentando a polarização e o ressurgimento dos fundamentalismos, sejam eles políticos, sociais ou religiosos. Nas mídias sociais, repetem-se os argumentos xenofóbicos vindos da Europa e dos Estados Unidos. Nas ruas, porém, isto ainda tem pouco impacto, apesar de termos tido alguns eventos pontuais de agressão aos estrangeiros. Na sua maioria, verbal. Episódios assim acabam recebendo contrapartidas solidárias.

Há, contudo, algo que precisamos encarar. A grande maioria de ataques verbais e demonstrações não foram dirigidas aos migrantes brancos (sírios, iraquianos), mas a haitianos e africanos negros. Isto traz à tona um racismo, poucas vezes admitido por nós brasileiros. A igreja pode e deve ser um canal para que estas questões sejam discutidas e saradas.

Criminalidade e violência urbana: As grandes cidades brasileiras sofrem uma epidemia de violência por conta da ação de redes criminosas do tráfico de drogas e de armas. Se o migrante não consegue o amparo das organizações humanitárias, facilmente acaba refém das opções da rua. Dinheiro pode ser obtido facilmente na criminalidade, seja por tráfico de drogas ou prostituição. Pessoalmente, resgatei três homens sírios, entre 25 e 35 anos, que foram cooptados para a prostituição masculina.

O que tem sido feito?

A Igreja Cristã brasileira, tanto católica quanto evangélica, não tem ficado passiva em meio à necessidade dos refugiados. Os católicos, desde a década de 1930, em São Paulo, através da Missão Scalabriniana, têm feito um trabalho exemplar e pioneiro entre os migrantes vulneráveis. Depois deles, a CARITAS também se destaca no atendimento aos refugiados, em parceria com a ACNUR.

Entre os evangélicos, o trabalho é bem recente, começando a ser desenvolvido após o ano de 2010, com a crise no Haiti e na Síria. Gradativamente, agências missionárias, ONGs cristãs e igrejas, em diferentes cidades, têm se envolvido no apoio aos refugiados, de várias maneiras. A seguir, apresento algumas iniciativas.

A AEBVB, SERVOS e MAIS dispuseram parte de sua estrutura física para acolher famílias refugiadas por determinado período. A LAR (Cabo Frio/RJ), DIGNITÀ (São Paulo/SP) e CAEBE (Curitiba/PR) abriram casas de passagem. A COMPASSIVA (São Paulo/SP), assessora na regularização de diplomas e oferece aulas de português, sem custo. As universidades UNIEVANGÉLICA (Anápolis/GO) e a UNICESUMAR (Maringá/PR) têm oferecido vagas em seus cursos para refugiados. A ANAJURE (Brasília/DF), DIGNITÁ (São Paulo/SP) e MAIS (Colombo/PR) têm dado assessoria jurídica para que cristãos perseguidos consigam visto de entrada no Brasil.

Além dessas, a TAARE (Uberlândia/MG), MEAB (Foz do Iguaçu/PR), PREPARANDO O CAMINHO (São Paulo/SP), SIM (Londrina/PR), MIAF (São Paulo/SP), JOCUM (Campinas/SP), PROJETO GAIO (Pompéia/SP), NO MORE (Maringá/PR) tem servido os refugiados em diferentes maneiras.

Em algumas cidades (São Paulo, Curitiba, Maringá e Uberlândia) há igrejas abrindo as portas para que os migrantes celebrem os cultos em sua própria língua. Há também iniciativas dos próprios refugiados para apoiar os outros (BAB SHARK) e uma incubadora para que possam abrir seus próprios negócios (BLUE FIELDS).

Há aquelas que iniciaram um programa de acolhimento (MAIS e DIGNITÀ), ajudando e orientando as famílias antes mesmo de chegarem ao Brasil. Este programa é construído em parceria com igrejas locais que se dispõe a “adotar” famílias refugiadas por um determinado período (1 a 3 anos), provendo casa, alimentação, aulas de português, ajuda para encontrar um emprego e cuidado pastoral integral. Este modelo tem se destacado por seu sucesso na integração da família que chega com a sociedade brasileira. A igreja funciona como uma família estendida e faz a ponte com a sociedade em geral. Dezenas de igrejas, de diferentes denominações e cidades, fazem parte deste programa.

Inspirados e encorajados pelo exemplo da organização internacional Refugee Highway Partnership (RHP)[3], um grupo de irmãos destas organizações acima começou a interagir, trocar experiências e promover encorajamento mútuo, dando os primeiros passos para a criação de uma rede no Brasil. Três encontros já foram realizados e atualmente a rede, denominada REMIR – Rede Evangélica de Apoio ao Migrante Refugiado, conta com mais de 20 membros, entre missões, igrejas e ONGs, de várias cidades.

Envolvimento pessoal

Envolvi-me com o ministério aos refugiados em 2013 quando, na condição de pastor de uma igreja em São Paulo, recebi um pedido para acolher uma família síria (18 pessoas!) que estava chegando ao Brasil. Esta experiência foi tão rica e desafiadora que decidi deixar o ministério na igreja local para me dedicar ao pastoreio de refugiados.

Fui convidado pela MAIS para desenvolver e coordenar o programa de acolhimento. Paralelamente, fazia o socorro às famílias vulneráveis que chegavam a São Paulo. Em dois anos acolhi de diferentes formas, centenas de refugiados.

Em outubro de 2015 abri, pela fé, uma casa de acolhimento em São Paulo, e em abril de 2016 nascia a DIGNITÀ, uma organização com foco no acolhimento de refugiados. Desde 2015 fui também desafiado para ser o facilitador da RHP no Brasil. Parte do meu ministério tem sido de conscientização e mobilização da Igreja brasileira para a causa dos refugiados.

Estou certo de que a mão do Senhor está por trás desta grande diáspora que experimentamos em nossos dias. A Igreja, em alguns países, é chamada para acolher os peregrinos vulneráveis. Em muitos outros, a própria Igreja está na estrada, com fome, desamparada e vulnerável. Em ambas as situações, somos chamados como povo de Deus, para discernir o que o Pai está fazendo, dispondo-nos a servir os forasteiros, como se fossem o próprio Cristo.

Para nós, Igreja nos países de acolhimento, os refugiados são uma oportunidade concreta de obediência à Palavra: “amem o estrangeiro” (Dt 10.19); de exercer a fraternidade: “façam o bem a todos, especialmente à família da fé” (Gl 6.10); a hospitalidade – literalmente “filoxenia” no grego, ou “aquele que ama o estrangeiro”, o oposto de “xenofobia”, o ódio ao estrangeiro (Hb 13.2); e o cuidado dos órfãos, viúvas, estrangeiros e necessitados (Zc 7.10).

Sou testemunha de que, apesar de todo complexo e dispendioso trabalho envolvido no acolhimento ao refugiado, nós, que os recebemos, somos tão ou mais abençoados do que eles no processo. Nossa fé é colocada em prática, nossas prioridades são questionadas, nosso amor ao Mestre e à Igreja é colocado em perspectiva, nossa visão de Reino é ampliada. Em outras palavras, eles são bênçãos disfarçadas, enviadas pelo Pai para reavivar nossas igrejas. Sobre eles, como disse o apóstolo Pedro, “repousa o Espírito da glória, o Espírito de Deus” (1Pe 4.14). Esta “santa mistura” é fértil, pródiga de novos e ricos relacionamentos.

O que dizer, ainda, sobre os milhares de muçulmanos, budistas e hindus que têm chegado a nós em busca de refúgio? Qual deve ser a atitude da Igreja diante destes estrangeiros? Agiremos como aqueles que não têm o amor do Pai, com discursos de ódio, inflados pelo medo, erguendo muros? É fato que a grande maioria é de países e povos que não conhecem o Evangelho. Não é esta, então, uma grande oportunidade de lhes mostrarmos o amor de Cristo, aqui mesmo, no nosso quintal? Muitos nunca tiveram contato pessoal com um cristão, nunca seguraram uma Bíblia, quanto mais participaram de uma celebração cristã. Que oportunidade!

Creio que o Brasil pode ser muito mais usado por Deus como lugar seguro para aqueles que buscam abrigo. Com as portas fechadas nos países do Ocidente, o Brasil, com sua legislação aberta e igreja viva, coloca-se como um porto natural. Para isto, porém, precisamos nos organizar e agir em parceria com a Igreja internacional. Mais do que oferecer abrigo e trabalho, nosso papel é também pastorear e discipular as ovelhas feridas de Jesus, pois somos um só rebanho, e temos um só pastor.

Notas
[1] De acordo com a Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados.
[2] Relatório publicado em junho de 2016 pela ACNUR.
[3] www.refugeehighway.net.

José Roberto Prado é graduado em Teologia com especialização em Missiologia pela UNELA – Universidad Evangelica de las Americas, em San José, Costa Rica. Fundador e Presidente da ABUNA, uma organização humanitária brasileira voltada especialmente ao refugiados, apátridas e migrantes em risco social. É presidente e fundador da REMIR – Rede Evangélica de Apoio ao Migrante e Refugiado.

Contato com o autor: josermprado@gmail.com