Missão da Igreja na Sociedade do Desempenho | Por André Luiz Borges da Silva

O autor que aqui nos interessa, Byung-Chul Han, tem como ofício abrir espaços para a reflexão, não para cerrar alguma resposta absoluta, ou mesmo abalizar um excepcional caminho sobre a missão da igreja perante a sociedade do desempenho (ao menos não diretamente). Proponho aqui experenciar o pensar sobre conceitos como igreja, missão e sociedade do desempenho, sem, com isso, ter a intenção de obter um argumento inquestionável. Pelo contrário, que o desafinar do que pondero possa promover mais liberdade para o pensamento e para vida humana, provocando encontros e desencontros. Talvez seja aí, nesta dimensão, que a teologia possa emergir.

1. Sociedade do desempenho

Nessa parte inicial, tenho como objetivo exibir as caracterizações do que é Sociedade do desempenho na filosofia de Byung-Chul Han, esta que, segundo o autor, abaliza a sociedade e indivíduos na pós-modernidade. Com efeito, não tenho intenção em defender o olhar teórico dado pelo autor em sua totalidade. Pelo contrário, a intenção aqui é acolher somente alguns pontos e, a partir destes, movimentar o diálogo com a esfera missional nos próximos tópicos. Para tal tarefa, minha investigação sobre a sociedade do desempenho será realizada sobretudo na obra Topologia da violência, de Byung-Chul Han (2017). Ali esse filósofo aponta que:

O sujeito de desempenho pós-moderno não está submisso a ninguém; propriamente, ele já não é sujeito dentro do qual inabita alguma subjugação (subejct to, sujét à). Ele se positiva, ele se libera para um projeto. Mas a mudança do sujeito para o projeto não faz desaparecer a violência; em lugar da coerção exterior surge a autocoerção, que imagina ser livre. Esse desenlace está intimamente ligado às relações de produção capitalista; a partir de um certo nível de produção a autoexploração é muito mais eficiente. Seu desempenho é muito mais intenso do que a exploração alheia, pois anda de mãos dadas com o sentimento da liberdade. Assim, a sociedade de desempenho é uma sociedade de autoexploração. O sujeito de desempenho explora a si mesmo até chegar a consumir-se totalmente (burnout), e assim há o surgimento da autoagressividade, que vai se intensificando e, não raro, leva ao suicídio. O projeto revela ser, na verdade, um projétil que o sujeito de desempenho direciona contra si. (Han, 2017a, p. 24 -25)

Estas considerações que o autor traz apontam para um desempenho intenso – suspensão de qualquer limite – como condição basilar para a vida na pós-modernidade. Nesta realidade, a existência de indivíduos não conjectura demarcações, não obstante, a configuração que movimenta a totalidade social, obtém sua realização na superprodução, supercomunicão, superinfomação. Assim, Han (2017b, p. 19) diz que “o sujeito de desempenho é incapaz de conclusão, de acabamento. Rompe-se sob a coerção de ter de produzir sempre mais desempenho”. É nesse desempenho que ocorre a nova violência que incide na vida, existência configurada sem sentido (télos), pautada em uma autoprodução inacabada. Logo, a inconclusão desta performance abre espaços para pretensões de um sistema – desempenho – sem limites, talvez o discurso da eugenia liberal seja também um dos mais evidentes de tal realidade. Por conseguinte, Byung-Chul Han é pensador que traz ao lume a alienação que este desempenho pode acarretar. Deste modo, se faz imprescindível a atenção para as pontuações filosóficas deste pensador, pois nelas há um novo contorno de sociedade e sujeito que se realiza na autoexploração.

A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos da obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos. Nesse sentido, aqueles muros das instituições disciplinares, que delimitam os espaços entre o normal e o anormal, se tornaram arcaicos. (Han, 2017c, p. 23-24)

No entanto, o autor denota que não podemos considerar a condição deste desempenho como manifesta aparição na sociedade pós-moderna. Pelo contrário, a agitação desta ação é internalizada no sujeito, isto é, fica subjacente e se realiza como violência na interioridade humana. Portanto, é necessário advertir que, na análise de Han, este desempenho que se faz violência ocorre pela suspensão de toda alteridade – interna ou externa. Neste sentido, “Moral”, “Deus”, “Ego” e “Persona” não caracterizam mais a formação e sentido da existência humana. Pelo contrário, indivíduos pós-modernos (narcísicos) são configurados na solidão, sem alteridades, vivendo alienados no inacabado desempenho de si. Por conseguinte, burnout, depressão e suicídio são sintomas provenientes de tal realidade. Assim, perante este desempenho licencioso, enfatizado em Topologia da Violência (Han, 2017) e outras obras do autor, se obtém uma estrutura de pensamento para interpretação da realidade pós-moderna. Podemos dizer que tal arcabouço se fundamenta na suspensão da alteridade disciplinar, constatação de desempenho ininterrupto, e justamente em Topologia da violência (2017) nota-se o alvorecer de uma nova configuração de alteridade: o “Ser-Assim”. Sobre alguns pontos desta estrutura abordarei, a seguir, a missão da igreja na violência do desempenho.

2. Missão da igreja: Simplicidade versus Desempenho

Pondero que a missão da igreja não pode ficar à parte da sociedade do desempenho, uma vez que a suspensão de alteridade, alienação e autoexploração são pontos que clamam atenção. Perante isto, faz-se imprescindível uma igreja missional que desenvolva um olhar cuidadoso, pautado em uma boa teologia reflexiva, visando ações transformadoras. Por certo, as aproximações neste artigo entre o autor sul-coreano e a missão da igreja miram algumas possibilidades.

Assim, em diálogo com Han, a tese em questão é a de que as pessoas na sociedade do desempenho estão sendo “avaliadas” pela árdua performance, e na imagem de sujeito performático, que necessitam apresentar de si. Por isso, vivem alienadas na autoexploração interior e no mínimo são instigadas a manter a máscara de tal atuação. Logo, que aspecto missional a igreja pode depreender de tal realidade? Não acredito que devemos esperar uma estratégia exuberante, pois dessas propostas estamos abarrotados. Nesse sentido, aposto no caminho simples, ou seja, não viso aqui adjetivos missionais que furtem o próprio exemplo de Cristo.

Pelo contrário, tendo a ficar com a simplicidade do evangelho. E o que este evangelho pode nos oferecer para a missão da igreja na sociedade do desempenho? Avalio que ele possa oferecer algo simples, apontando para uma igreja missional que sirva como espaço de alívio, espaço de conscientização, espaço de aceitação, espaço de graça, espaço de refrigério para os excluídos e sobrecarregados pela atual “violência do desempenho”, como a pontua Han. Assim, nada mais do que o evangelho puro e simples para a promoção de uma ação missionária, visando o próprio modo de se colocar da igreja, ou seja, ambientação de alívio. Claro que tal ambientação é promovida pela mensagem, pela dinâmica diária da igreja, pelos temas das músicas de louvor, pelos serviços e pessoas que congregam na comunidade e que estejam dispostas para esta simplicidade.

Nesta ótica, nada melhor do que refletir missionalmente como a igreja acontece e se promove na atual sociedade. Se somos o corpo de Cristo, Ele mesmo pode nos ensinar algo quando diz: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11:28-30).

Desse modo, a missão da igreja é colocar-se como espaço-ambiente que trabalha em oposição do atual desempenho que aí está. Ao invés vez de fazer parte dessa esfera violenta, sendo instituição alienada no desempenho e promovendo apenas o crescimento numérico da membresia – acumulando reuniões, alavancando inúmeros cargos, células e ministérios – a igreja pode ser espaço alternativo, tal como o alter – outro – que promove abrigo e revela a graça e o alívio do Cristo. Assim, missionalmente, mais do que o velho sistema moral de apropriada aparência espiritual; mais do que a violência do desempenho atual, a igreja pode ser acolhedora, amorosa e cheia da graça de Cristo.

Nesta dimensão de simplicidade, talvez, esteja o maior desafio de ser e se fazer igreja. A ação singela de alívio, através da qual se promove o abraçar, aceitar e cuidar, por vezes, se esvai diante das inúmeras reproduções de frases de efeito. No entanto, o convite singelo do Cristo ainda ecoa como uma grande implicação missional para o ser da igreja. Sem complexidade, o convite do Nazareno parece ir totalmente ao encontro da sociedade do desempenho, que se revela também como esfera do cansaço. Parece-me que essa simplicidade ganha mais espaços com o chão do povo. Admiro C. S. Lewis quando denota isto em seu clássico Cristianismo Puro e simples:

(…) penso que o melhor serviço, talvez o único, que posso prestar a meus semelhantes incrédulos seja explicar e defender a fé comum a praticamente todos os cristãos em todos os tempos. Tenho várias razões para pensar assim. Em primeiro lugar, as questões que dividem os cristãos entre si quase sempre envolvem pontos da alta teologia ou mesmo de história eclesiástica, que devem ser tratados apenas pelos verdadeiros conhecedores da matéria. Vadeando nessas águas profundas, eu não poderia ajudar a ninguém; antes, teria de ser ajudado. Em segundo lugar, penso que se deve admitir que a discussão dos pontos disputados não contribui em nada para trazer para o âmbito cristão uma pessoa de fora. Enquanto nos ocuparmos em escrever e discutir sobre estes temas, estaremos fazendo mais para impedir essa pessoa de ingressar em qualquer comunidade cristã do que para trazê-la para a comunidade à qual pertencemos. Nossas divisões só devem ser discutidas na presença dos que já chegaram a acreditar que existe um único Deus e que Jesus Cristo é seu único Filho. Por fim, tenho a impressão de que mais e melhores autores se engajaram no debate desses temas controversos do que na defesa daquilo que Baxter chamou “cristianismo puro e simples”. (Lewis, 2017, p. 10-11)

Portanto, não avalio que a igreja seja um espaço clínico, de cunho espiritualista, que visa toda sorte de cura. Pelo contrário, vejo a igreja como ambientação que permita o bom alívio de Cristo e reconheça seus limites, pois, este reconhecimento de sua limitação aponta sua simplicidade, abrindo espaço para a conscientização, libertação e dignidade humanas. Penso que o jeito simples de ser e se fazer igreja é um aspecto missional que merece toda consideração na atualidade. Para Han, pessoas vivem imersas e alienadas em um desempenho e se encantam com tudo o que difere do movimento que estão. Talvez a simplicidade seja um convite e modo atraente para indivíduos que se encontram em situações de burnout, depressão e na superprodução. Assim, sem questões mirabolantes, a igreja pode ser sal e luz, obtendo a simplicidade do Cristo como fundamento missional.

3. Missão da igreja: amistosidade ou restrição?

Uma condição fundamental que clama atenção do cristianismo é a alteridade; próxima ou não, ela configura a reflexão e prática cristãs. No entanto, mais que verborragia, o cristianismo implica amor a toda qualidade do que é outro. Assim, enquanto a sociedade do desempenho suspende o outro, o cristianismo e filosofia de Byung-Chul Han (eis um ponto de encontro entre ambos) o levam em alta consideração. Nesse sentido, é necessário entender que Han não é um pensador que fundamenta e concorda com a suspensão da alteridade, pelo contrário, em sua obra é perceptível que ele faz um movimento de análise que a evidencia na pós-modernidade. No entanto, Han traz para o debate a necessidade do alter que deve ser encarado em nova dimensão, não mais pagã, nem disciplinar e muito menos suspensa, mas de um alter que ganha nova configuração e reconstrução.

Acredito que tal questão é urgente e necessária para a reflexão missional da igreja, conforme o que lemos a seguir:

Assim, faz-se necessária outra construção, uma reconstrução do outro que não desencadeie qualquer tipo de defesa imunológica destrutiva. Deveria ser possível estabelecer uma relação com o outro na qual o “deixasse estar” confirmando-o em sua alteridade, em seu ser-assim. Esse sim ao assim se chama amistosidade (Freundlichkeit). Ela não consiste em deixar o outro passivo, mas é uma relação ativa, participante no seu ser-assim. Ela só é despertada diante do outro, do estrangeiro, e quanto maior for sua diferença tanto mais intensiva ela se tornará. Diante do igual não é possível haver amistosidade nem hostilidade, nem sim nem não, nem saudação nem rechaço. (Han, 2017a, p. 103)

Desse modo, o desafio da igreja missional é aceitar o “deixe-se estar” do outro, e participar desta condição. Não na mera tolerância, mas na amistosidade, que, aliás, é fruto da caridade. “A política da amistosidade é mais aberta do que a política da tolerância. Esta é mais uma práxis conservativa, uma vez que nela, a alteridade é apenas tolerada” (Han, 2017a, p.103).

Mesmo que demore muito tempo, a igreja terá que aprender a lidar com uma pluralidade de “seres-assim” que estão em seu entorno, que fazem suas opções, têm seus modos e vivem a seu próprio jeito. Talvez o melhor modo de ser e se fazer igreja na atual sociedade será na amistosidade, esta que não cria mais barreiras para com outro, mas o aceita sem preconceitos nem julgamento – que o Evangelho, e não as leis e códigos que comunidades impõem às pessoas – baste para a transformação do ser. Longe desta condição, a igreja continuará fechada para uma pluralidade de pessoas, ou seja, será restrita. Porém, devemos ousar pensar numa igreja aberta para todo alter. Acredito que a essência para o movimento desse aspecto missional seja o amor, que não foge da vida, do outro, mas se faz na vida e com o outro. Eis a boa nova do Cristo.

Considerações finais

A violência do desempenho se banca dentro e fora da igreja. Não podemos deixar de destacar que a tônica dessa brutalidade é o constante desempenho e a total suspensão do outro. No entanto, a filosofia de Byung-Chul Han não descarta a relevância da alteridade, dimensão também pertinente à missão da igreja. Neste pensador, o outro ganha uma nova configuração que não é de tom negativo, nem é anulado. Em Han o outro aparece como aquele que não pode ser desconsiderado, que é imprescindível para vida e enche de cor os horizontes da existência. Creio que esta consideração também é cristã. Assim, a missão da igreja frente à sociedade do desempenho entra como aquela que se faz na simplicidade e sensibilidade com os sujeitos violentados pelo sistema do desempenho, e esperançosa e afetuosa para todo “ser-assim” que cruza seu caminho.

Referências bibliográficas
HAN, Byung-Chul. Topologia da violência. Petrópolis: Vozes, 2017a.
HAN, Byung-Chul. Agonia do eros. Petrópolis: Vozes, 2017b.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017c.
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

Sobre o autor
André Luiz Borges da Silva é Doutorando em Educação pela UEM, Graduando em Filosofia pela UEL, Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana, onde atualmente trabalha como Tutor e Pesquisador.
Contato com o autor: andre.borges@teologia.com.br