Ministério pastoral: uma luta constante | Por Antonio Carlos Barro / Ney Mezzadri Jr.

 

Introdução

Por que alguém em sã consciência quer ser ministro da Palavra de Deus? Estamos falando daquelas pessoas que abnegadamente abraçam ao ministério, não considerando o custo de tal empreitada. Que mistério é este que leva um ou uma jovem a deixar uma faculdade, uma carreira promissora no mundo dos negócios, ou ser uma pessoa “bem-sucedida” para se dedicar exclusivamente ao pastorado, à vida missionária?

O apóstolo Paulo inicia sua segunda carta a Timóteo sob um contexto adverso. Contam os historiadores que a prisão a qual Paulo se encontrava era a sua ‘última prisão’. Esse encarceramento era mais severo do que os anteriores, pois não levava em consideração a sua cidadania romana, que poderia conferir certas regalias a ele.

Ele era considerado um preso comum, ficando com pesados grilhões e correntes, sob muito sofrimento e humilhação. Sobre os escritos de Paulo a Timóteo, descreve Calvino (2009, p. 191):

As circunstâncias da ocasião, porém, adicionam especial valor a essas exortações. Paulo tinha a morte ante seus olhos, e ele estava pronto para enfrentá-la pelo testemunho do evangelho. Portanto, tudo o que lemos nesta epístola […] deve ser vista não meramente como escrita a tinta, mas com o próprio sangue vital de Paulo.

O apóstolo Paulo, no final da sua carreira cristã, após uma intensa e apaixonada vida dedicada a Jesus Cristo, escreve a Timóteo, seu dileto filho na fé, e detalha a ele uma lista de pessoas que estiveram próximas do seu ministério. Podemos, nesta lista verificar três tipos de obreiros cristãos:

Aqueles que abandonam a carreira cristã

Alexandre “me fez muitos males” – “causou-me muitos males”. Alguns historiadores afirmam que foi Alexandre, o latoeiro, que delatou o apóstolo Paulo, levando-o à segunda prisão e, por fim, ao martírio. Paulo menciona um outro Alexandre em 1 Timóteo 1.20, dizendo que esta pessoa naufragou na fé e blasfemou. Este homem promovia as dissensões na Igreja e Paulo o entregou a Satanás. Este outro fazia oposição a Paulo e contrariava os seus ensinamentos.

Já o autor Bürki (2007, p. 64) sugere que poderia ser até o mesmo personagem, cuja disciplina aplicada no contexto de 1 Timóteo 1.20 não surtiu o efeito desejado, levando Alexandre a endurecer ainda mais o seu coração e afligindo Paulo com mais maldades. Independente dessa possível diferenciação, sabe-se que este segundo cooperador que agora se torna aquele que atrapalha o andamento do ministério de Paulo prestará contas ao Senhor de suas obras.

Para Barclay (2006, p. 105),

a palavra que Paulo utiliza para dizer causou-me muitos males é o verbo grego endeiknumi (grifo nosso). Esse verbo significa literalmente desdobrar; e na realidade era empregado para referir-se ao dar informação contra uma pessoa. Os informantes eram uma das grandes maldições de Roma nessa época. Buscavam obter favores e receber recompensas por dar informação. E pode ser que esse Alexandre fosse um cristão renegado, que foi perante os magistrados com informação falsa e caluniosa contra Paulo.

Para Paulo não existia nada mais grave do que ver alguém se opondo à mensagem de Cristo. Ele mesmo poderia suportar todas as coisas contra a sua pessoa, mas não tolerava ataques ao evangelho. A atitude de Paulo nesta situação é corajosa, pois identifica o faltoso chamando-o pelo nome. Vigia e toma cuidado com o que aquela pessoa está disseminando. Finalmente, vemos que ele descansa em Deus, pois ele conhece a todos e retribuirá a cada um segundo as suas obras (lei da semeadura). Paulo evoca o Salmo 62.13 que diz: “A ti também, Senhor, pertence a benignidade; pois retribuis a cada um segundo a sua obra”.

Jesus Cristo também faz menção a um episódio que poderia ser extrapolado para outras circunstâncias. Nos evangelhos sinóticos (Mt 19.13-15; Mc 10.13-16; Lc 18.15-17), Ele diz: “[…] Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o Reino de Deus”. Aqui são as crianças que são impedidas do convívio com Jesus, mas muitos adultos também o são. São pessoas que em suas jornadas de fé, estão querendo se aproximar de Jesus, mas são impedidos de o fazerem.

Atualmente, também são muitos os que atrapalham a obra de Deus. Devemos enfrentar a estes com caridade e realismo. Com caridade: Deus irá julgar as suas obras, não compete a nós fazer isto. Com realidade: A perseguição ao cristianismo nunca é abstrata, mas sempre personalizada. Infelizmente temos no meio da Igreja líderes abusivos. Pessoas que se utilizam da amizade dos colegas para galgar posições de liderança e que os descartam assim que os seus objetivos são alcançados.

Aqueles que realizam a carreira cristã

Neste capítulo, Paulo menciona 18 pessoas. Duas delas causaram grandes males ao evangelho, todavia outras estão firmes. Marcos é útil ao ministério. Trófimo está inclusive doente em Mileto. Crescente, Tíquico e Tito estão viajando em missões.

O que nos chama a atenção é que Paulo menciona Marcos aqui nesse trecho. Observamos no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 13, versos 13 a 15, que Marcos se aparta do grupo de Paulo, que ia para Perge da Panfília, e vai em direção à Jerusalém. Por esta atitude, Paulo e Barnabé acabam tendo uma desavença (At 15.36-41), pois o primeiro não queria levar Marcos e o segundo queria, e cada um acaba seguindo por caminhos diferentes.

Notem que, em nosso texto base, Paulo fala do mesmo Marcos, e afirma que é útil ao ministério. Para Paulo, Marcos cometeu um erro ao não permanecer junto a ele em sua viagem para a Panfília. Contudo, Marcos permaneceu nos caminhos do Reino de Deus, e, discipulado por Barnabé, caminha novamente com Paulo em seus últimos anos de ministério.

Este episódio entre Marcos e Paulo nos lembra da Parábola dos Dois Filhos relatada por Jesus, em Mateus 21.28-32. Destacamos as respostas dadas por cada um dos filhos ao pedido do pai para cuidar da vinha. O primeiro diz que vai cuidar, mas acaba não indo. O segundo informa que não vai cuidar, mas se arrepende e vai efetivamente cuidar da vinha. Jesus destaca que o segundo fez a vontade do Pai.

Assim também ocorre com Marcos, e com outros cooperadores que podem se afastar no início, mas acabam retornando depois. Destaca-se na Palavra de Deus sobre a importância da perseverança, de estarmos fiéis até o fim. Podemos tropeçar no meio do caminho. Contudo, havendo arrependimento, retornamos aos trilhos da vontade do Senhor.

A atitude e a mensagem de Paulo dirigem-se aos que permanecem firmes, aos que enfrentam o ministério com bravura e não consideram suas vidas mais preciosas do que a vida de Jesus Cristo. Ele afirma a mensagem da presença constante de Deus que nos assistirá em todos os momentos, revestindo e fortalecendo para o para o cumprimento da missão. E mais ainda, Deus nos protegerá da boca do leão. Provérbio que era usado para denotar extremo perigo e, finalmente, Deus nos conduzirá ao seu lar celestial.

Hoje em dia precisamos recobrar este significado e motivação para a nossa carreira cristã, caso contrário, também nos veremos em tentações de desistir da Igreja e da sua missão. São tantas as lutas, as noites de insônia, os choros escondidos por causa das perseguições e injustiças. Todavia, antes de nós outros passaram pelos mesmos sofrimentos e não desistiram do ministério.

Ao final da vida, Paulo orienta a Timóteo e a todos os que militam na obra de Deus a que mantenham o foco bem ajustado: “Preguem a Palavra para que haja salvação e que Deus receba a glória para todo o sempre”.

Conclusão

Desde que a Igreja foi fundada na Terra nós temos basicamente estes três grupos: os que começam e abandonam, os que permanecem e atrapalham a vida dos outros e os que permanecem e trabalham a favor da causa de Cristo.

A partir dos grupos de cooperadores aqui representados, sugerimos três dicas para nosso auxílio em lidar com as dificuldades oriundas do ministério cristão. A primeira dessas dicas é não focar nossos olhares e esforços em reclamar sobre aqueles que deixaram de caminhar conosco, mas em se alegrar com aqueles que permanecem conosco.

No episódio do profeta Elias na caverna relatado em 1 Reis 19.1ss, Elias encontrava-se desanimado, pois achava que estava só (conforme versos 10 e 14), e uma das palavras de ânimo do Senhor para ele foi a de que Ele “conservou em Israel sete mil pessoas cujos joelhos não se dobraram perante Baal” (conforme versículo 18). Alegre-se com aqueles que estão com você neste momento.

A segunda dica é amar, apesar das traições e decepções que se apresentarão diante de nós. Neste sentido, complementa Lewis (2017, p. 105):

Amar é sempre ser vulnerável. Ame qualquer coisa e certamente seu coração vai doer e talvez se partir. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, você não deve entregá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva-o cuidadosamente em seus hobbies e pequenos luxos, evite qualquer envolvimento, guarde-o na segurança do esquife de seu egoísmo. Mas nesse esquife – seguro, sem movimento, sem ar – ele vai mudar. Ele não vai se partir – vai tornar-se indestrutível, impenetrável, irredimível. A alternativa a uma tragédia ou pelo menos ao risco de uma tragédia é a condenação. O único lugar além do céu onde se pode estar perfeitamente a salvo de todos os riscos e perturbações do amor é o inferno.

Boor (2004, p. 107) também reforça:

Assim como a cruz de Jesus brotou imperiosamente de seu amor por esse mundo de pecado, assim também dentre nós neste mundo e época, o amor não pode ser separado do sofrimento. O amor pode acontecer aqui e agora somente mediante dores. Neste mundo o amor sempre tem a forma da cruz. Este mesmo autor ainda complementa (p. 108): O amor é a substância da eternidade. Se quisermos obter a eternidade em vida, então devemos amar.

A terceira e última aplicação é a perseverança. Permanecer fiel até o fim. Temos o próprio exemplo de Paulo nesta mesma carta a Timóteo, no capítulo 4, verso 7: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”. O apóstolo já tinha a noção que estava nos seus últimos dias aqui na Terra, e que logo seria martirizado. Mas ele foi até o fim, e isso é o que importa para aqueles que servem no Reino do Senhor Jesus. Um bom texto para se ler é o livro “Homens da Bíblia e seus erros”, de Jorge H. Barro.

De semelhante modo, temos ainda o texto também de Paulo em 1 Coríntios 4.1-2: “Ora, o que se requer dos despenseiros é que cada um seja encontrado fiel”. Os dias são difíceis, as pessoas nos traem, nos abandonam, mas temos exemplos na Palavra de Deus de pessoas que mesmo nestas circunstâncias foram até o fim na companhia do Senhor Jesus, e foram mais que vencedoras no Reino dos Céus.

Resumindo, nós temos os tomadores e os doadores. Alguns querem apenas usufruir daquilo que a Igreja oferece e não retribuem em quase nada. Assim, a Igreja continua dependendo desses poucos que são comprometidos e que esperam com confiança no Senhor. Quem colocou as mãos no arado não pode mais olhar para trás.

Referências bibliográficas

BARCLAY, William. Comentario Al Nuevo Testamento. Tradução de Carlos Biagini. Barcelona-ESP: Editorial Clie, 2006.

BARRO, Jorge H. Homens da Bíblia e seus erros. Rio de Janeiro: GodBokks Editora, 2022.

BOOR, Werner de. Cartas aos Coríntios. Tradução Werner Fuchs. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2004.

BURKI, Hans. Cartas aos Tessalonicenses, Timóteo, Tito e Filemom. Tradução Werner Fuchs. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2007.

CALVINO, João. Pastorais – Série Comentários Bíblicos. São José dos Campos: Editora Fiel, 2009.

HENDRIKSSEN, William. 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

LEWIS, C. S. Os Quatro Amores. Rio de Janeiro: Editora Thomas Nelson Brasil, 2017.

 

Referência: BARRO, Antonio Carlos; MEZZADRI JR, Ney. Ministério pastoral: uma luta constante. Revista Práxis Missional, Londrina PR, ano 5, edição 9, junho de 2023. Disponível em: https://praxismissional.com.br/ministerio-pastoral-uma-luta-constante-por-ac-barro-ney-mezzadri-jr/

 


Sobre os autores:

Antonio Carlos Barro é ministro presbiteriano, doutor em missiologia, um dos fundadores da FTSA, professor.
Contato com o autor: acbarro@ftsa.edu.br.

Ney Mezzadri Jr. é Ministro Presbiteriano, pós-graduado em teologia FTSA.
Contato com o autor: prneybrancojr@gmail.com