13 jun História do Cristianismo Primitivo | Por Alfredo Oliva
Introdução
Que esperamos ou podemos considerar uma boa pesquisa histórica? Responder a esta questão é relativamente fácil: diversidade.
Qualificar a resposta é algo um pouco mais trabalhoso, ou seja, explicar em que consiste uma atividade historiográfica que possua diversidade vai exigir de nós a criação e a exposição dos critérios de abrangência da referida diversidade.
Proponho, então, alguns critérios que, no meu modo de ver, estariam em sintonia com debates que penso estar observando no campo da teoria e método da história, minha área de especialização e atuação profissional há alguns anos.
(1) Em primeiro lugar, antes mesmo de discutir as amplitudes de um campo de estudos, é preciso que ele esteja cronologicamente circunscrito. E isso significa que precisamos de saber qual é o fenômeno que pesquisamos e seu recorte cronológico.
(2) Em seguida, temos que saber com quais fontes iremos trabalhar. Estamos diante de um verdadeiro dogma do interior do campo historiográfico, o que significa, por exemplo, que mesmo positivistas e pós-modernos, talvez extremos opostos do ponto de vista teórico, estariam em acordo. Parece que historiadores/as, mesmo que divirjam sobre tudo o mais, consideram que pesquisa historiográfica só pode ser feita com fontes. Quando começamos a debater o tipo e a qualidade das fontes primárias, o consenso facilmente desaparece.
(3) Em terceiro lugar, a própria diversidade teórica precisa ser considerada como necessária para que um campo de estudos se mantenha dinâmico. Muitas vezes a historiografia é desqualificada por não apresentar o devido consenso teórico, mas, conforme creio, o inverso deste juízo é um sinal de pulsão de vida no interior do campo de pesquisas historiográficas. Diversidade teórica cria debates e este é fundamental para o dinamismo da investigação historiográfica. Assim, um bom campo de pesquisas seria aquele que em que há diversidade teórica. E isto significa que pesquisadores/as realizam seu trabalho de pontos de vistas teóricos distintos e, muitas vezes, até mesmo contraditórios.
(4) Por fim, podemos considerar que um campo de estudos que se mantém saudável consegue deslocar seu foco para os mais variados temas ou aspectos do mundo empírico investigado. Em outras palavras, deve contemplar categorias sociais distintas, temas variados e enfoques oscilantes.
Em síntese, uma pesquisa historiográfica de qualidade deveria passar pelo crivo de quatro aspectos: ter um “objeto” de estudos bem delimitado, usar fontes de formas e naturezas das mais variadas possível, testar enfoques teóricos distintos na intepretação das fontes primárias obtidas e deslocar permanentemente seu olhar sobre as fontes estudadas para contemplar nelas aspectos variados.
Agora, se pararmos de falar de forma abstrata e passarmos a olhar o campo de estudos específico da história do cristianismo primitivo, poderemos fazer um balanço minucioso desta área de pesquisa. Assim, poderemos testar a validade dos critérios apresentados acima de forma palpável ou empírica e olharemos a nossa jornada como pesquisadores/as a partir de forma crítica no sentido mais apropriado do termo. Ser crítico em relação a algo é ter critérios para fazer uma avaliação.
Então, quando paramos para fazer um balanço do que produzimos nos últimos anos em termos de pesquisa historiográfica, gostemos de nos identificar como historiadores/as ou cientistas da religião ou mesmo como teólogos/as, o importante é que tenhamos critérios para fazer isso.
A seguir, vou usar os critérios acima descritos para escanear, se me permitem assim falar, o que temos produzido acerca da história do cristianismo primitivo.
[1] Professor Associado do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL), doutor em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e pós-doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
Delimitação do campo de estudos
Temos pouca dúvida sobre a temporalidade que deve cobrir o campo de estudos históricos acerca do cristianismo primitivo. Talvez não tenhamos nenhuma outra certeza sobre este campo, mas esta temos: trabalhamos com uma temporalidade que começa no primeiro século e se estende até o início do quarto século, ambos depois de Cristo.
Não sabemos tantas outras coisas dentro dessa temporalidade: quando cristianismo e judaísmo se tornaram religiões distintas, como este processo funcionou em áreas distintas do Império Romano, o que o Jesus histórico fez e ensinou, quando e como o cristianismo deixou de ser um fenômeno espontâneo para se tornar uma religião fortemente institucionalizada etc.
Mas sabemos que pesquisamos um fenômeno cuja duração se estende do início do primeiro século ao início do quarto. Não parece muita coisa, mas é algo muito importante para historiadores/as saber qual é a temporalidade com a qual trabalham.
Colocar o foco de pesquisa entre os séculos I e IV não significa que o antes e o depois não são importantes para nós. Implica apenas em saber que daremos mais atenção a fontes produzidas dentro dessa temporalidade.
Assim, se a relação entre cristianismo e judaísmo é fundamental para historiadores/as do cristianismo primitivo, o fato de darmos atenção para o que acontece entre os séculos I e IV, não deve excluir uma temporalidade anterior a ela. Só compreenderemos diversos aspectos do cristianismo primitivo apenas se conhecermos bem a história de seu antecessor cronológico e uma de suas matrizes culturais, mas, ainda assim precisamos saber que nosso foco estará sempre voltado para os séculos I e IV. E isto já é um bom começo.
Ampliação das fontes
Quando deixamos o cômodo debate sobre a abrangência cronológica das nossas pesquisas para focarmos quais seriam as fontes que usaremos, as coisas começam a ficar um pouco mais tensas e complexas. E aqui esbarramos em dois debates difíceis que foram amplamente enfrentados pelo grupo de pesquisas Oracula[1]: 1) Usaremos fontes canônicas ou apócrifas? 2) Empregaremos fontes eruditas ou populares?
De 2014 a 2017 encaramos a primeira questão. Quando recebemos a visita de Candida Moss (2014.1, de forma remota), Judith Perkins (2014.2), Matthias Henze (2015) e Stephen Patterson (2016) nos vimos diante de especialistas no debate sobre a legitimidade das fontes apócrifas ou simplesmente frente a frente com pesquisadores/as que manuseavam bem as fontes não canônicas.
Mesmo que já estejamos há muito convencidos da artificialidade da divisão entre fontes canônicas e apócrifas e já estejamos usando o segundo tipo delas também há um bom tempo, foi fundamental estarmos diante de especialistas que têm bastante familiaridade no uso de textos apócrifos. Aprendemos bastante e também trocamos muitas experiências próprias de pesquisa sobre o assunto.
[1] O presente texto foi escrito com vistas a fazer uma avaliação dos trabalhos de pesquisas que vinham sendo realizados no grupo Oracula, que se reunia na Universidade Metodista de São Paulo para estudar o cristianismo primitivo. Como se pode ver pelo texto, o grupo conseguia financiamento para trazer palestrantes de outros países que fossem referências na sua área de especialidade. Infelizmente, por uma série de razões, Oracula não se reúne mais, mas creio que os debates teóricos que derivaram dos tempos em que funcionava podem ser publicados com vistas a estimular pesquisas sobre cristianismo primitivo.
Se há uma virtude do grupo Oracula é a de não nos limitarmos a ouvir o que nossos/as interlocutores/as, mesmo quando se trata de pesquisadores/as de renome internacional. Ouvimos, aprendemos e também relatamos o que temos feito.
Assim, parece que hoje tomamos como ponto resolvido que, embora alocado em uma universidade confessional e com algumas pessoas que assumem alguma forma de confessionalidade, não podemos mais respeitar os limites impostos pela historiografia cristã de que as fontes canônicas seriam mais legítimas que as apócrifas.
Estamos todos convencidos de que historiografia deve ser feita com fontes primárias e, neste caso específico, pouco importa se alguém disse que um tipo era melhor que o outro. Para nós, a escolha da fonte segue apenas um critério pragmático: fonte primária boa é aquela que se adequa ao recorte temático e cronológico que pesquisamos, não importando se alguém, no passado ou no presente, diga que uma ou outra seja mais digna e a outra não.
Claro que o risco seria o de uma inversão. Quando deixamos o trabalho exclusivo com fontes canônicas para trabalharmos com aquelas consideradas apócrifas, poderíamos inverter nosso preconceito. Não creio que isso tenha acontecido. Acho que nenhum de nós passou a achar que apenas as fontes apócrifas eram legítimas. Assim, pudemos passar a desfrutar de uma das melhores qualidades da pesquisa historiográfica, que é a de trabalhar com variedade de fontes primárias.
Quando chegamos a uma boa compreensão da legitimidade das fontes apócrifas e passamos a manuseá-las com alguma destreza, passamos a nos preocupar mais com fontes que nos são úteis para captar uma visão de mundo das camadas subalternas das sociedades antigas com as quais desejamos muito trabalhar.
Creio que foi por isso que trouxemos em 2018 e 2019, respectivamente, dois interlocutores internacionais, Steven Friesen e Santiago Guijarro, que são especialistas em usar fontes produzidas por pessoas dos baixos estratos sociais do mundo antigo ou que conseguiam ler a contrapelo textos antigos produzidos pelas elites. Assim, abrimos a possibilidade de continuarmos a explorar as camadas elitizadas do cristianismo primitivo assim como passar a vislumbrar o que pensavam os cristãos/ãs mais pobres.
Creio que com esse duplo descolamento de fronteiras, entre canônico e apócrifo e erudito e popular, temos possibilidade de preencher lacunas que pareciam insuperáveis quando olhávamos para os manuais de história do cristianismo antigo. Se historiografia deve ser feita com fontes primárias, agora as temos com alguma variedade para levarmos a termo esse quase dogma acadêmico. Começar bem é um critério para que uma pesquisa termine com o selo de ter sido bem-sucedida.
[1] O presente texto foi escrito com vistas a fazer uma avaliação dos trabalhos de pesquisas que vinham sendo realizados no grupo Oracula, que se reunia na Universidade Metodista de São Paulo para estudar o cristianismo primitivo. Como se pode ver pelo texto, o grupo conseguia financiamento para trazer palestrantes de outros países que fossem referências na sua área de especialidade. Infelizmente, por uma série de razões, Oracula não se reúne mais, mas creio que os debates teóricos que derivaram dos tempos em que funcionava podem ser publicados com vistas a estimular pesquisas sobre cristianismo primitivo.
Diversificação dos recortes teóricos
Sabemos que uma boa pesquisa histórica não depende apenas de termos quantidade, qualidade e diversidade de fontes disponíveis. Diferentemente do que pensam alguns positivistas do passado e do presente, as fontes não falam por si sós. Elas precisam ser interpeladas pelo/a historiador/a ou cientista da religião, como já nos alertava Lucien Febvre quando debatia e expunha o que chamava de história-problema.
Acontece que os questionamentos levantados pelo/a pesquisador/a emergem de duas frentes: 1) o momento histórico em que o/a historiador/a está inserido; 2) sua filiação teórica, que funciona como que um prisma a partir do qual ele/ela olha para as fontes que tem à sua disposição.
Penso que o primeiro aspecto é apenas um pressuposto do qual o/a historiador/a ou cientista da religião deve estar consciente. Sabemos que demandas sociais ou acadêmicas do presente levam determinados temas a entrarem ou saírem de moda.
Assim, um de nossos interlocutores internacionais, Steven Friesen, norte-americano de um país governado por um presidente conservador, quando questionado por quê insistia no presente em uma forma de marxismo muito voltado para questões econômicas, respondia de forma até muito simples que o fazia exatamente porque estavam lhe dizendo que essas questões não eram importantes. Temos aqui um belo exemplo do que estava dizendo logo acima. Um governo conservador contemporâneo, que procura dizer que o capitalismo é algo bom e justo, instiga uma mudança de pauta de pesquisa acadêmica sobre o cristianismo antigo. Steven Friesen passou a se interessar em explicações econômicas da injustiça social no cristianismo antigo porque ele crê estar diante de um governo contemporâneo injusto.
Assim, a escolha do viés teórico de uma pesquisa segue uma série de fatores do nosso presente. O que importa agora é que, como vemos o mundo contemporâneo de formas variadas, nossos enfoques teóricos também são variados e isso não é diferente quando falamos de nossos/as interlocutores/as internacionais, assim como das pesquisas dos membros do grupo Oracula.
Judith Perkins parecia ter como principal referencial teórico o filósofo francês Michel Foucault, enquanto Steven Friesen era marxista de forma escancarada e proposital. E nossa filiação teórica como grupo de pesquisa é também bastante diversa. Trabalhamos com conceitos do campo da linguística, sobretudo a partir do semioticista russo Mikhail Bakhtin, assim como a partir de perspectivas oriundas do mencionado acima Michel Foucault. Mais recentemente, algumas de nossas pesquisas estão se voltando para o campo da magia, o que tem exigido buscar uma interlocução com clássicos da sociologia e da antropologia, como é o caso de Pierre Bourdieu, Marcel Mauss, Emile Durkheim, Max Weber e outros/as.
Nos trabalhos dos pesquisadores/as mais maduros do grupo essa intencionalidade de construir e utilizar um referencial teórico está mais presente. Já naqueles/as que estão sendo iniciados/as na pesquisa acadêmica, essa é uma dimensão mais difícil de ser construída, mas a insistência e exposição de pesquisas-modelos oriundas de pesquisadores/as mais maduros/as, do próprio grupo ou visitantes internacionais, tem se constituído em um bom espelho.
Creio que seja necessário que haja um recorte teórico em qualquer pesquisa acadêmica na área de humanas ou sociais, mas isso nem sempre exige uma longa narração ou justificativa ao longo do relatório escrito. Meu pressuposto é o de que todo trabalho sempre funciona com algum referencial teórico, mas este nem sempre está consciente para o/a autor/a da pesquisa, sendo sempre melhor quando funciona de forma deliberada e consciente.
Tenho observado a presença de um referencial teórico explícito em quase todos os trabalhos e exposições de membros do grupo Oracula e de convidados externos. E o que vejo é que trabalhamos com razoável diversidade teórica, o que considero ser bastante positivo.
Deslocamentos temáticos
Precisamos de variedade de fontes e de recortes teóricos para fazer uma boa historiografia. Essa variedade vai permitir que diferentes estratos sociais sejam enfocados, assim como dimensões ou temas da vida social e cultural sejam abordados.
Quando rompemos as fronteiras entre fontes canônicas e apócrifas e possuímos muitos enfoques teóricos diferentes, temos quase tudo que precisamos para fazer historiografia que explore diferentes aspectos do passado.
Os positivistas da passagem do século XIX para o XX foram acusados pelos/as historiadores/as dos Annales de fazerem quase exclusivamente história política e de quase sempre privilegiarem as camadas elitizadas. Talvez tenha havido um exagero por parte dos adversários dos positivistas, mas eles tinham alguma razão no que diziam. O clamor que fizeram por novos enfoques ajudou as pesquisas historiográficas do mundo inteiro a deslocarem seus focos das elites para as camadas populares e da política para a vida social e cultural.
Os manuais de história do cristianismo, mesmo os mais recentes, nos fazem pensar que ainda estamos no século XIX, em plena vigência do positivismo no sentido de que devemos apenas usar fontes escritas e oficiais (canônicas) para fazer uma historiografia que se dedique às elites eclesiásticas. Felizmente, a pesquisa acadêmica, incluído aí aquelas que são produzidas por frequentadores/as e visitantes do grupo Oracula, tem conseguido ser diversa do ponto de vista temático e isso se deve ao fato de existir variedade tanto de fontes como de enfoque teórico.
As pesquisas de nossos/as interlocutores/as internacionais demonstram uma grande variedade temática, digna de confrontar as lacunas dos manuais de história do cristianismo e das pesquisas dos positivistas do século XIX. Os/as historiadores/as dos Annales ficariam satisfeitos em saber que trouxemos Judith Perkins para falar da construção social do corpo dos/as mártires cristãos/ãs, Matthias Henze para nos levar para as fontes pouco exploradas dos textos apócrifos, Candida Moss para falar, ainda que de forma remota, de grupos sociais marginalizados, Stephen Patterson para nos conduzir ao mundo do excêntrico apóstolo Tomé, Steven Friesen para nos mostrar como as hierarquias sociais eram construídas com uma severa exploração econômica e, por fim, Santiago Guijarro para nos ensinar a ler textos das elites a contrapelo, de modo a podermos fazer historiografia dos marginais a partir de textos produzidos pelos não marginalizados/as.
No meu modo de ver, ler textos das elites a contrapelo significa nos aproximarmos, em termos temáticos, das pesquisas mais recentes e importantes já feitas. Faz com que nos lembremos de “Os queijos e os vermes” de Calo Ginzburg, que usa documentos da inquisição para fazer historiografia da cultura ao enfocar a visão religiosa dissidente de camponês sobre seu entorno. Também de Laura de Mello e Souza, em “O Diabo e a Terra de Santa Cruz”, quando usa o mesmo tipo de fonte para falar de feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. De Ronaldo Vainfas, em “A heresia dos índios”, que continua a usar as fontes oficiais da inquisição para abordar o hibridismo cultural-religioso indígena-católico. Os exemplos poderiam se multiplicar, mas os poucos bastam para lembrarmos que estamos em boa companhia.
O que nos fascina na atualidade é vermos a proliferação de pesquisas sobre magia, seja no âmbito “pagão” ou entre judeus e cristãos antigos, emergirem das páginas de trabalhos de orientandos/as de mestrado e doutorado de pesquisadores/as conectados ao grupo Oracula. Isso demonstra que, quando diversificamos as fontes e os olhares teóricos, fica mais fácil enxergarmos as multiplicidades que assolavam o cotidiano de cristãos/as antigos/as.
- Desafios que persistem
Fizemos muitas coisas boas. Avançamos em todos os critérios que estabelecemos como ponto de partida para avaliar os resultados de nossas pesquisas. De qualquer forma, se não virmos onde podemos ainda crescer, nossas conquistas nos levarão à estagnação e ao comodismo. Se quisermos continuar a fazer pesquisas relevantes, temos que refletir sobre algumas possibilidades que vemos que ainda precisam ser exploradas. Vamos a elas na forma de alguns tópicos.
(1) Manter nosso recorte cronológico. Este aspecto parece permanecer inatacável. Não sabemos até quando, mas, por ora, podemos manter os inícios do primeiro século como nosso ponto de partida e o do quarto como chegada para nossas pesquisas. Claro, temos que levar em conta o antes e o depois em consideração, mas os referidos séculos devem continuar a circunscrever cronologicamente nossas pesquisas.
(2) Ampliar nossas fontes: trabalhar no cruzamento de arqueologia com textos e ler a contrapelo outros textos das elites. Ainda há espaço para uma ampliação dos tipos de que fontes usamos. No momento enxergo que ainda a maior parte de nós não conhece e não usa em seus escritos experiência e leitura de relatórios de pesquisa arqueológica. Considero os livros escritos a partir da parceria entre John Dominic Crossan e Jonathan L. Reed, “Em busca de Paulo” e “Em busca de Jesus”, os exemplos mais claros do que estou propondo: bom manuseio e interpretação de textos com vigoroso conhecimento de cultura material do mesmo período daqueles produz excelentes insights teóricos e interpretativos.
(3) Diversificar recortes teóricos: explorar o debate sobre história da leitura. As pesquisas atuais sobre história da cultura privilegiam o debate sobre história da leitura, o que envolve um tripé: (a) meios e formas de produção de um escrito ou produto cultural; (b) meios e formas de circulação de um escrito ou produto cultural e (c) apropriações ou leituras propriamente ditas de um escrito ou produto cultural. Para fazer isso, podemos espelhar os trabalhos de pesquisadores como Michel de Certeau, Carlo Ginzburg, Roger Chartier e Robert Darnton.
(4) Continuar a explorar novos temas: dar visibilidade em nossas pesquisas para mulheres, homossexuais, pobres e hereges. Vou escolher apenas uma das categorias para justificar o que pretendo com essa proposta: o debate sobre gênero. Quanto mais nos aproximamos da atualidade, mais se diversificam na academia as contendas sobre gênero e, na mesma intensidade, proliferam na sociedade os discursos machistas e homofóbicos. Penso em autores/as como Michel Foucault, Judith Butler, Paul B. Preciado e Virginie Despentes como pensadores/as que levam a discussão sobre gênero até as últimas consequências e Donald Trump e Jair Bolsonaro como incentivadores do seu oposto. Acho que todos nós nos sentimos um pouco como Steven Friesen quando nos visitou: vamos falar de gênero porque estão nos dizendo que não devemos falar disto.
(5) Criar e ampliar relevância social para nossas pesquisas: escrever textos abrangentes (século I a IV) sobre os mais variados temas e enfoques, de forma coletiva e em linguagem acessível ao grande público. Nosso trabalho até aqui, como grupo, tem sido muito bom. Acho que todos nós nos sentimos privilegiados em fazer parte de uma confraria plena de pessoas inteligentes e engajadas. Mas, para ser sincero, se nossas pesquisas ficarem restritas aos nossos pares, não chegaremos muito longe. Precisamos querer mais: temos que aspirar impacto social para as nossas pesquisas. E isto só pode ser conquistado com engajamento social. Temos que escrever textos para grande público para mostrar para a sociedade que fazemos pesquisa relevante e de qualidade. Mas, para atingir esta meta, temos que aprender a escrever com arte e de um modo que qualquer um nos compreenda. Por exemplo, podemos aprender com Haruki Murakami, com seus romances (sugiro “Kafka à beira-mar” e “Crônica do pássaro de corda”), como prender a atenção do/a leitor/a e fazer com que não queiram mais parar de ler. Se quisermos um texto não ficcional, então podemos ler “Romancista como vocação” para nos inspirarmos a escrever bem. Uma boa escrita é um critério fundamental para que nossas pesquisas sejam lidas e, assim, se tornem socialmente relevantes.
Referência: OLIVA, Alfredo. História do Cristianismo Primitivo. Revista Práxis Missional, Londrina PR, ano 5, edição 9, junho de 2023. Disponível em: https://praxismissional.com.br/historia-do-cristianismo-primitivo-por-alfredo-oliva/
Sobre o autor – Alfredo Oliva
Universidade Estadual de Londrina | UEL · Departamento de História (HIS)