Editorial | A INTEGRALIDADE DA MISSÃO NO REINO DE DEUS

Temos notado na atualidade que o ponto de partida para o estudo dos evangelhos e da época que os circundam está fundamentado essencialmente na história das ideias. Os problemas e dificuldades que se apresentavam são analisados, basicamente, em termos conceituais, dogmáticos e os textos acabam sendo classificados como composições apologéticas, com a finalidade de combater ideias errôneas. Consequentemente, o significado e influência de necessidades sociais específicas, conflitos sociais, interesses de grupos e ideologias conflitantes, mereceram pouca atenção, não existindo estímulo e motivação necessários para analisar a correlação e reciprocidade entre as realidades sociais e a fé. Influenciados por esse tipo de pensamento, alguns movimentos da tradição cristã tendem a ler a bíblia a partir de espiritualizações e abstrações limitadoras de temas que, na verdade, deveriam ser lidos e interpretados de forma ampla, não dicotômica.

Estes apontamentos se aplicam perfeitamente a temática deste número 2 de nossa revista: a integralidade da missão no reino de Deus. Integralidade é uma expressão que seria desnecessária, caso algumas escolas de leitura da bíblia não considerassem a missão de Deus apenas como resposta às questões celestiais, do porvir, ou privadas do ser humano – “…o reino está dentro de vós”, diriam literalmente, sem qualquer critério de interpretação do texto lucano (Lc 17.21). Além destes, existem aqueles que, de forma inadequada e reducionista – apelando para uma interpretação tendenciosa a respeito de uma discussão muito especifica, pontualmente necessária, realizada no Congresso de Lausanne, em 1974 – insistem em rotular o conceito de integralidade como sendo sinônimo absoluto do esquizofrênico binômio ação-responsabilidade social. Podem-se achar também aqueles que entendem que a proposta de integralidade, pelo simples uso do termo e da consideração óbvia de variantes que dele emanam, é indicativa para a defesa-assimilação do materialismo histórico – crítica óbvia e vazia.

Neste número, queremos reafirmar que: o fundamento para a missão (e os ministérios) do povo de Deus, no poder do Espírito Santo, é a missio Dei. Nas escrituras a missão de Deus ganha forma a partir dos elementos do reino de Deus. O reino de Deus, portanto, não é apenas um dos fins principais da missão, mas também seu ponto de partida prático-paradigmático. A missão se dá precisamente no estabelecimento do reino. O ministério/missão de Jesus sinaliza para a realidade do reino de Deus, historicamente situada, a partir da proclamação e promoção de seus valores. Um destes valores fundamentais é a vida, e vida em abundância (plena, inteira). Ora, se a vida em abundância é um valor primário e sinal evidente do reino, a missão que advém do reino é pela vida e, portanto, é holística. Abrir mão disso é, de certo modo, abrir mão do próprio evangelho.

O número atual tem cinco artigos. Quatro deles endereçam diretamente a temática aqui proposta, a partir de diferentes matizes bíblico-teológicas: Flávio Henrique explora a noção de “reino” como o governo de Deus sobre toda a Criação, uma nova ordem de (e em compromisso com a) vida, que vem instaurar novos valores e contrapor a ordem do antirreino, que é anti-vida. Billy Lane estuda o tema na “Oração do Senhor”, mostrando como esse reino é central no ministério de Jesus, manifestando-se em sua própria vida e palavras, e fazendo dessa oração uma oração profundamente missional. Júlio Zabatiero propõe uma reflexão sobre a noção de reino de Deus em Paulo, asseverando que a reflexão sobre o aporte paulino “é de relevância para o aprofundamento de nossa prática e pensamento sobre a integralidade da resposta do povo de Deus à integralidade da ação do próprio Deus”. Alberto Roldán traz uma contribuição (em espanhol) sobre a ideia bíblica de “fome e se de justiça”, buscando aportes nas filosofias antiga e contemporânea, até chegar à noção de justiça no reino de Deus, conforme nos ensina o NT. Finalizamos o número com um artigo-tributo, escrito por Jonathan Menezes, ao pastor Eugene Peterson, falecido 22 de outubro de 2018. Entendemos que ele se encaixa bem nesta temática, uma vez que Peterson nos mostrou, em vida e obra, como um pastor do reino de Deus deve se portar, encenando uma “longa obediência numa mesma direção”.

Sentimo-nos felizes e honrados por poder entregar mais este número de nossa Práxis Missional. Esperamos que leiam, gostem e recomendem.

 

Prof. Flávio Henrique de Oliveira
Prof. Jonathan Menezes