03 abr Edição 10 | e-2403 | A Parábola do grão de mostarda: exegese e teologia dos evangelhos sinóticos | Por Ricardo A. Mello
1. INTRODUÇÃO
Este artigo se divide em três partes, sendo elas: a primeira, é a aplicação do método exegético hermenêutico literário na perícope de Marcos 4.30-32, com apresentação da análise textual e questões de delimitação. Sendo elucidados os contextos histórico e redacional do segundo evangelho, acompanhada do estudo comparativo sinótico, ou seja, do Evangelho de Mateus (13:31-32) e do Evangelho de Lucas (17:5-6). Além de uma pequena intertextualidade com Daniel (4.20-22). Esta primeira parte finaliza com a reflexão sobre o ensino parabólico de Jesus, especificamente sobre o reino de Deus.
A segunda parte do artigo irá discorrer teologicamente sobre o tema do reino de Deus. Também sendo apresentados três termos que se fundem teologicamente: evangelho, igreja e reino, com a função de direcionar o pensamento cristão reformado clássico (João Calvino no século XVI) e de avivalistas (no século XVIII, Jonathan Edwards; e, no século XIX, Charles Spurgeon). Neste momento, serão dadas algumas perspectivas e leituras escatológicas sobre o reino de Deus.
E, na última e terceira parte, o tema do reino de Deus será direcionado para a missão da igreja, ou seja, serão indicadas as áreas da teologia prática (proclamação, evangelização e discipulado). Para a proclamação, será indicada a compreensão que o teólogo suíço Karl Barth (entre o século XIX e XX) e formulou acerca da proclamação do Evangelho. Alinhado ao pensamento dele, a evangelização terá a colaboração de Orlando Costas (teologia da evangelização contextual), no século XX. E, concluindo esta última parte, o tema do discipulado será fornecido pelas eloquentes e profundas reflexões do pastor alemão Dietrich Bonhoeffer, também do século XX.
2. EXEGESE DE MARCOS 4.30-32
Especificamente sobre o tema do reino de Deus, Jesus Cristo utilizou o método das parábolas como hermenêutica para ensinar os seus seguidores. E, considerando o seguimento dele formado pelos apóstolos, discípulos e ouvintes, é certa que esta performance didática acerca do reino confirmou a aprendizagem do público, a ponto dela tornar-se uma das ênfases dadas pelo evangelista Marcos (1.15). Neste sentido, a interpretação das parábolas foi e continua sendo um grande desafio para pastores e estudiosos da Bíblia, haja vista elas servirem como chave de leitura para as promessas de Deus ganharem sentido e significado na vida das pessoas.
Para Adolf Pohl (1998 p. 33), o Evangelho de Marcos é permeado em toda a sua extensão pela questão da identidade de Jesus, por meio de uma constante pergunta: Quem é Jesus? (cf 8.29). Assim sendo todos os evangelistas tiveram a preocupação de escrever sobre o “princípio do Evangelho de Jesus Cristo, o filho de Deus” (Mc 1.1), isto é, fizeram uso do gênero textual evangelho, cuja ênfase era escrever sobre a vida e a obra de alguém muito famoso.
A parábola[1] escolhida para o estudo foi a do grão de mostarda, contida no Evangelho de Marcos 4.30-32. Trata-se de uma das perícopes que mais concentra o sentido da missão de Jesus, pois ela o revela como portador do conteúdo do reino de Deus. E, consciente desta missão, sua palavra destinou-se ao alcance de pessoas que pudessem ser impactados e transformados por ela. O texto em português é da versão Bíblia Almeida Revista e Atualizada (2022), com acesso eletrônico:
[1] Parábola: conforme Champlin (1991, vol. 5, p. 57), a palavra portuguesa parábola vem diretamente do grego, parabolé, pôr de lado, com o sentido de comparar, a fim de servir especificamente como ilustração de alguma verdade ou ensino.
Marcos 4.30-32
30 Disse mais: A que assemelharemos o reino de Deus? Ou com que parábola o apresentaremos?
31 É como um grão de mostarda, que, quando semeado, é a menor de todas as sementes sobre a terra;
32 mas, uma vez semeada, cresce e se torna maior do que todas as hortaliças e deita grandes ramos, a ponto de as aves do céu poderem aninhar-se à sua sombra.
Esta pesquisa buscou interpretar o porquê do reino de Deus ser considerado “pequeno” e, após ser semeado e cultiva, obter a potencialidade de tornar-se “grande”, conforme Brown (2004, p. 212-213) analisa a parábola da semente e do grão do mostarda, dizendo que “a semente tem sua própria força e amadurecerá no devido tempo; é como o grão de mostarda, que é miúdo no início, mas tem um grande crescimento”. Ao Evangelho ser proclamado, a palavra de Deus é lançada como o semeador lança a semente (Mc 4.1-9), mas o que ser percebe é que o crescimento da planta virá de Deus (Mc 4.30-32).
Pohl (1998) chama a atenção para algumas questões de tradução a respeito desta perícope. Primeiro, diz que não se pode pensar na árvore de mostarda (salvadora pérsica), que era pouco conhecida como “hortaliças cultivadas” (v. 32). No texto, a mostarda refere-se à espécie sinapris nigra, que era plantada no campo e servia como remédio, tempero e alimento. Segundo, refere-se ao grão de mostarda para designar o tamanho, isto é, algo extremamente pequeno, mas que se transforma em uma árvore grande (e forte).
O bloco do evangelho de Marcos que ensina sobre o reino de Deus e cujo conteúdo é sobre a parábola do grão de mostarda contempla três pequenos textos: (1) a comparação da semeadura que cresce por si, 4.26-29; (2) a comparação do grão de mostarda, 4.30-32; e (3) a retrospectiva do discurso de parábolas de Jesus, 4.33,34. Pohl diz que “Enquanto na primeira parábola da semente a ênfase estava no processo de semeadura e na segunda no crescimento da semente, na terceira ela passa para o seu resultado final”. A ênfase da perícope é sobre o processo “crescido” do grão de mostarda, agora visível como uma realidade robusta, forte e grande.
Segue construção de quadro semântico com o paradoxo apresentado de menor de todas as sementes (início do Reino com o conceito de “já”) em tensão com a maior de todas as hortaliças (final do Reino com o conceito de ainda “não”) de modo que foram absorvidos algumas perspectivas e leituras escatológicas do Reino de Deus:
Na análise hermenêutica de Marcos com os evangelhos sinóticos: Mateus e Lucas, segundo Hendriksen (2003, p. 223): “Qualquer que tenha sido o caso, o fato que permanece é que, no meio de todas as variedades de apresentação, há uma harmonia evidente e maravilhosa.” Na seleção das fontes que os evangelistas usaram, quer tenham sido orais ou verbais, bem como em tudo o mais que diz respeito aos seus escritos, cada escritor dos Evangelhos, ao executar o seu propósito, e usar o seu próprio estilo, para este autor estava sendo guiado pelo Espírito Santo. Jesus compara o pequeno grão de mostarda plantado ao reino de Deus em Marcos e reino dos céus em Mateus, que por fim crescerá e se tornará uma grande planta, porém no evangelho de Lucas, este Evangelista compara o pequeno grão a fé, não importando o tamanho ou quantidade, mas que a sua substância seria suficiente em seus resultados.
Pohl (1998) também chama a atenção que deve-se lembrar aqui a comparação que há em Lucas 17.6, quando o grão de mostarda é contrastado com as raízes da amoreira – que são mais fortes, ou seja, o reino de Deus é, a princípio, considerado pequeno, mas vivido e experimentado pela fé, torna-se grande e forte.
Na intertextualidade com o livro de Daniel do A.T.[2] verificou-se a utilização da figura da árvore para exemplificação de reinos como no sonho que o rei Nabucodonosor teve e cuja interpretação foi dada por Daniel (4.20-22) a respeito do Reino Babilônico.
E por fim nesta primeira parte, foi demonstrado o ensino parabólico de Jesus a respeito do Reino de Deus, MacArthur (2016, p. 7) diz que as parábolas de Jesus eram metáforas engenhosamente simples que transmitiam lições espirituais profundas, seus ensinamentos eram repletos dessas histórias do dia a dia. As parábolas da semente que cresce sozinha (Mc 4.26-29), da semente de mostarda (Mc 4.30-32) e do fermento (Mt 13.33) tratam acerca do reino de Deus, nas quais entende-se “onde” descreve-se o contraste entre a pequena dimensão de um início ainda escondido e a grandeza do fim, que é totalmente obra de Deus. Como o fruto da terra, assim também o reino vem por si, sem que o homem colabore nisso. (FEINER E LOEHRER, 1985, p. 163). A conclusão é que a parábola do grão de mostarda, contada por Jesus, reforce a compreensão de que o crescimento e o resultado do Reino virá de Deus.
- TEOLOGIA DO REINO DE DEUS
Na segunda parte deste artigo, cujo tema foi Teologia do Reino de Deus foram apresentados referenciais teológicos e foi trabalhado a semântica do Reino de Deus com a apresentação do Reino de Deus na pessoa de Cristo sendo totalmente apropriada, pois Ele é o verbo que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.1-14), nele reside tanto a natureza humana como a natureza divina. Jones (1988 p. 68) recorre a Cristo para buscar o sentido do Reino, porque Ele se apresentou como o Reino personalizado. Ele se identificou com o Reino. Sendo a encarnação de Deus, Ele é a encarnação do Reino de Deus. Complementa Bentho (2014, p. 25) dizendo que a identificação de Jesus como Messias-Rei está relacionada à soberania que a Sagrada Escritura atribui ao Senhor.
Há uma hermenêutica tríade para o cristão: o evangelho, a igreja e o reino, que são termos que se fundem teologicamente. O evangelho sendo a mensagem de salvação para a humanidade que é pecadora, a igreja é o meio pelo qual Deus usa para levar esta mensagem e o reino de Deus é a possessão antecipada desta salvação e senhorio no presente tempo e que há de ser atingido na sua plenitude no futuro.
Foram desenvolvidos referenciais teológicos, como o reformador João Calvino (2022) no século XVI que trabalhou a parábola do grão de mostarda (Mt 13.31), afirmando que o Senhor abre seu reinado com um início débil e desprezível, para o propósito expresso, de que seu poder possa ser mais completamente ilustrado por seu progresso inesperado. Para este reformador clássico, se o aspecto do reino de Cristo for desprezível aos olhos da carne, precisa-se a aprender a elevar a mente ao poder ilimitado e incalculável de Deus, que imediatamente criou todas as coisas do nada e todos os dias levanta coisas que não são (1 Co 1.28), de uma maneira que exceda a capacidade dos sentidos humanos.
Para o avivalista Jonathan Edwards no século XVIII, conforme Pereira e Rogério (2017, p. 84) Edwards acreditava que o reino de Cristo começava de forma gradativa, em algum momento na presente era, por meio de intervenções do Espírito Santo (avivamentos) que levariam a Igreja a cumprir integralmente sua missão de discipular as nações (Mt 28.19) e estender a autoridade de Jesus a todos os povos. Desse modo, o Reino permearia toda a massa e encheria a Terra, exatamente como Jesus explicou nas parábolas do fermento e do grão de mostarda (Mt 13.31-33).
Por outro lado, o avivalista Charles Spurgeon (2016) no século XIX, em O grão de mostarda, um sermão para professores da escola dominical, o céu se se esconde todo dentro do evangelho, nesta comparação com semente que uma criação divina e que nenhum homem sábio consegue fabricar por si só outra igual, o plantar é um ato natural, extremamente barato e um ato de fé, crendo que grandes resultados surgem de pequenos atos. Depois avalia o resultado obtido que o grão cresceu, é como o homem que se arrepende mediante o evangelho, que crê em Jesus, que muda por completo, que vem a ter esperança no céu, que recebe poder para se tornar filho de Deus.
Hoekema (2001, p. 60-61) diz que alguns eruditos veem o Reino como exclusivamente futuro, outros vem como exclusivamente presente, e outros entendem como presente quanto como futuro. Gill (2022), diz que Cristo habita e rege como rei, os membros são seus sujeitos, e as ordenanças são suas leis, às quais os membros são obedientes e a graça de Deus nos corações do seu povo é o princípio governante sobre eles.
A partir dos achados teológicos da Parábola do Grão de Mostarda, todos os reformador e avivalistas pesquisados são unânimes que grandes resultados surgem com um início pequeno: para o reformador João Calvino, o inicio do reino de Deus pode aparentemente débil ou desprezível, semelhante a uma pequena semente, que irá se tornar uma grande planta. Para o avivalista Jonathan Edwards, o reino de Cristo se daria de forma gradativa, por meio de intervenções do Espírito Santo que levaram a Igreja a discipular outras nações e povos, de modo que o Reino encheria a Terra. E por fim, para o avivalista Charles Spurgeon, grandes resultados surgem de pequenos atos, como o ato de plantar o Evangelho (sendo extremamente barato e um ato de fé) que dará resultados como o homem que se arrepende, que crê em Jesus, muda por completo, se tornando filho de Deus e tendo esperança no céu.
Com base nas fundamentações teológicas apresentadas, conclui-se que o Evangelho não é da terra, sua mensagem e resultados são divinos, o ser humano não contribui em seus resultados, a parte que lhe cabe é a proclamação da mensagem do Evangelho, com inicio pequeno que dará grandes resultados no alcance e transformação de vidas.
- A MISSÃO DA IGREJA E O REINO DE DEUS
E na terceira parte, foi desenvolvido: A Missão da Igreja e o Reino de Deus, através da compilação de expoentes contemporâneos engajados com as disciplinas da teologia prática.
Na área de proclamação, Barth (1963, p. 6-9) entre o século XIX e XX diz que o pregador não deve procurar estabelecer a realidade de Deus, sua tarefa é construir o Reino de Deus. Ele deve conduzir a uma decisão, mas a decisão depende da graça divina – o melhor desse mistério é a relação do face-a-face, homem-Deus, repousando sobre a fé somente. A revelação de Deus significa que a palavra se fez carne, Deus assumiu a natureza humana, em Cristo Ele se apropriou do homem caído, o homem perdido é chamado ao lar, sendo a morte de Cristo é a última palavra desta encarnação, nele a falta e castigo do pecador são afastados e suprimidos. Nele o homem se tornou um redimido, de uma vez por todas. Em Cristo, Deus se reconcilia com o homem. Crer é ver, saber, reconhecer que isto é assim.
No campo da evangelização, Costas no século XX contribui que a mensagem do Evangelho precisa ser proclamada contextualmente:
A partir do Evangelho de Marcos que para muitos estudiosos possa ser o mais antigo dos quatro, encontra-se um modelo de evangelização enraizado no ministério de Jesus, modelo estruturado em perspectiva da Galileia, não sendo mera coincidência que uma referência a Galileia apareça no Prólogo (1.1-13) e na declaração que resume o ministério de Jesus (1.14-15). Conclui que a Galileia é não somente uma “chave” para entender Marcos, mas também para resgatar e interpretar o legado evangelístico de Jesus, havendo um modelo de evangelização contextual a partir da periferia (COSTAS, 2014, p. 92-93).
Na área do discipulado, Bonhoeffer também no século XX formulou que o portador da imagem do Cristo encarnado, crucificado e ressurreto no discipulado, o que foi feito imagem de Deus, esse é, por fim, chamado a ser “imitador de Deus”. O seguidor de Jesus é imitador de Deus. “Sejam, pois, imitadores de Deus, como filhos amados” (Ef 5.1). (BONHOEFFER, 2004, p. 203).
Através dos conceitos apresentados, a expectativa é que a igreja seja aperfeiçoada no conceito de Reino de Deus e possa expandir suas práticas de proclamação: o crescimento da igreja vai ser consequência da proclamação da palavra, fazendo com que novas pessoas venham a crer na mensagem do Evangelho como Revelação do próprio Deus, evangelização: estabelecendo pontes de diálogo com o diferente, como a apóstolo Paulo fez quando pregou o Evangelho em Atenas, quando observou um altar ao Deus desconhecido (At 17.16-34) e usou a própria cultura grega para contextualizar a mensagem para que pudesse ser mais facilmente compreendida pelos ouvintes e discipulado: a missão da Igreja consiste na condução do cristão ao seguimento de Cristo e feitura de novos discípulos.
Conclui-se que o Evangelho uma vez semeado, é capaz de crescer e acolher outras vidas, gerando vida abundante. Para a aplicação prática, as boas novas da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo (o filho de Deus) devem ser proclamadas, pois ela é capaz de gerar arrependimento pelos pecados e fé na pessoa de Jesus Cristo. Que a igreja possa trabalhar na expansão do Reino de Deus, sabendo que o crescimento da planta de mostarda virá do próprio Deus.
[1] Parábola: conforme Champlin (1991, vol. 5, p. 57), a palavra portuguesa parábola vem diretamente do grego, parabolé, pôr de lado, com o sentido de comparar, a fim de servir especificamente como ilustração de alguma verdade ou ensino.
[2] Antigo Testamento
Referências bibliográficas
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Sobre o autor: Ricardo Alves de Mello, graduando em Teologia pela FTSA;
Graduado em Administração pela UEL, pós-graduado em Controladoria e Finanças pela PUC e MBA em Gestão Estratégica de Empresas pela FGV.
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