Edição 10 | e-2402 | Educação Teológica: Da busca pela perfeição a uma liderança sustentada pelo amor | Por André Borges

O tema liderança e aperfeiçoamento sempre peregrinaram de mãos dadas, por ora, essa temática se desdobrou como artifício contemplado em palestras empresariais, em discursos midiáticos, em discussões terapêuticas, e por ora, constituiu conteúdo para livros e palestras de autoajuda. Nesse sentido, compete dizer que esse assunto não é algo que germinou através das esferas eclesiásticas, pelo contrário, é tema que foi ao encontro de pessoas comprometidas em ministérios, e que de certa forma visaram alcançar apropriado desempenho diante responsabilidades da cotidianidade ministerial.

Portanto, o modo como apresentaremos a dinâmica de liderança e aperfeiçoamento nesse capítulo, admitirá caminhos e percepções teológicas. Assim, se há alguma possibilidade de modelo nessa esfera, basearemos a partir dos ensinamentos bíblicos. A partir dessa proposta, fundamentaremos a negação e aceitação de modelos de liderança e perfeição. Para isso, de antemão expomos que duas vertentes bíblicas nortearão o caminho em prol dos objetivos indicados. De um lado as cartas paulinas auxiliarão nosso caminhar, e por outro, os ensinamentos de Jesus demonstrarão possibilidades para o modelo aspirado.

  1. Liderança – Modelo que foge à esfera bíblica

 Ao abordar o tema liderança e aperfeiçoamento, na perspectiva cristã, é indispensável o cuidado e atenção para o não abatimento da proposta bíblica. Cabe lembrar, que esse assunto é melindroso, e pode levar qualquer pessoa a um erro de percepção, ou seja, abordagens de liderança cristãs podem ser abafadas por ritmos e significações que procedem das esferas empresariais, mercadológicas, de cunho consumista. Essa advertência se faz necessária, pois, é notória como tal assunto tem sido concentrada em livros, em artigos, em palestras, que apostam fundamentar desdobramentos para a liderança cristã. Portanto, em primeira instância, é necessário destacar que o caminho que se deve abraçar, em perspectiva cristã, não procede por adaptação e apropriação de princípios e métodos mercadológicos.  Tal ponderação merece atenção, pois, tais realidades – cristã e mercadológica – são totalmente distintas no que concerne a princípios e valores, e confundi-las é prejudicial para a vida, missão, e sentido da igreja. Desse modo, é bom lembrar que o modelo de liderança proveniente da vida de Jesus nunca obteve como missão o agenciamento de pessoas competitivas, ansiosas por crescimento, por desempenho, por ascensão pessoal.

A liderança do nazareno não visou uma agenda seletiva onde pessoas eram aceitas mediante aprimoradas habilidades, excelentes aptidões, e belos currículos. Nesse mesmo caminho, o apóstolo Paulo expressou um parâmetro de liderança cristã que se distinguiu totalmente da lógica de lideranças competitivas, promotoras do próprio ego humano. A carta de I Coríntios aponta como tal questão foi expressa:

Porque, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir os fortes; E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; Para que nenhuma carne se glorie diante dele (I CORINTÍOS 1.26-29). (Bíblia de Jerusalém)

Ao exibir tal discrição, não podemos ajuizar que partir do discurso paulino, e do modelo de liderança do nazareno, ocorre então, uma proposta de exclusão da responsabilidade humana, ou seja, negação do zelo nos afazeres ministeriais. Isso nem tem cabimento a partir de textos bíblicos. Entretanto, Jesus e Paulo são dados como exemplos de responsabilidade no que coube ao exercício ministerial. As próprias cartas paulinas demonstram continuamente a exortação do apóstolo ante ao zelo que se deve obter ao ministério. Na carta aos Colossenses 3.23-24 o apóstolo diz “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de coração, como para o senhor, e não para homens, cientes de que recebereis do senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo”. Além disso, é sempre bom ressaltar o contexto de um texto. Portanto, o contexto histórico de I Coríntios 1, texto abordado acima, obtinha como princípio exortativo motivos como o orgulho, a contenda, o envaidecimento. Sentimentos esses que, segundo o apóstolo, não deveriam tomar o coração do discípulo de Cristo, e tais ocorrências não deveriam ocupar o coração da liderança da igreja.

Assim, seguindo a dinâmica de liderança ofertada por Paulo e Jesus, destacamos que o líder cristão, que visa o aperfeiçoamento em seu ministério, é aquele que não deve acolher os modelos que demandam dinâmicas e estratégias cuja finalidade é a lucratividade, o sucesso, a fama, o poder, e a competitividade. Uma vez que tais ocorrências tomam o coração do líder, o ministério tende a ser vislumbrado como pontes para anseios pessoais e pessoas passam a serem apreciadas como objetos descartáveis, pois, uma vez que não atendem a demanda da cartilha imposta são deixadas de lado à mercê do dia a dia da igreja, e da sociedade. No entanto, a perfeição que deve alcançar o líder cristão é aquela vislumbrada no ministério de Paulo e de Jesus. Nesse aspecto, a perfeição em nossa proposta passa a ser considerada como movimento que instiga o líder amar o ministério e considerá-lo como caminho de luta por humanização, luta por solidariedade, luta por partilha, luta por paz e justiça. Esse modelo de liderança cristã que estamos promovendo nesse texto nunca atenderão metodologias de direções mercadológicas, pois, nessas, o ser humano é compreendido simplesmente como instrumento mecânico para lucratividade, programado tão-somente para resultados e rendimentos.

Diante dessa realidade, o líder cristão é chamado obter a sensibilidade, e vislumbrar que a metodologia de aperfeiçoamento mercadológico, começa obter certo descrédito e decadência social. Essa avaliação que acabamos de destacar, não advém de senso comum, pelo contrário, obtém embasamentos em aportes teológicos, filosóficos, históricos e sociológicos. As ciências humanas, consideradas como saberes que analisam criticamente a sociedade em amplitude, acabam denunciando que os rigorosos modelos de liderança corporativistas da presente época já não conseguem obter tanta aceitabilidade na esfera social. Assim, a sociedade do século XXI, compreendida como sociedade do desempenho, do avanço tecnológico, do progresso – científico, passa a ser considerada como aquela que falhou na promoção da saúde física, mental, espiritual e relacional.  Já não é novidade no mundo de hoje que a análise que deriva desse contexto, é fundamentada nas atuais exigências perfeccionistas, implementadas pela ideia de avanço e pressa, essa que estimula a constante atualização técnica, e a demasiada exigência consigo e com o outro. O atestado que realmente temos da atualidade é que sujeitos estão extremamente cansados, depressivos, preenchidos de complexidades psicológicas, e tal laudo deriva de preceitos mercadológicos comprometidos em “ensinar” técnicas promotoras de liderança heroica, essas quem reduzem a vida na busca do sucesso, do aplauso, do poder.

O filósofo coreano Byung – Chul Han é um dentre muitos pensadores da atualidade que tem analisado consequências maléficas que surgem desse caminho que visa somente desempenho e perfeccionismo sem moderação.  Byung – Chul Han (2016) adverte que a marca do mundo pós – moderno é a constante aceleração da vida, essa que tem como foco a autoexploração de si em prol da superprodução, superinformação, e supercomunicação. Diante de tal ponderação, Henry J.M Nouwen (2018) obtendo percepções que chegam perto das ideias do pensador coreano, avalia que em uma sociedade marcada pela constante pressa nos tornamos pessoas estranhas a nós mesmos, ao nosso próximo, e a Deus. No entanto, o líder que fundamenta a vida em perspectiva cristã tem que compreender que a perfeição segundo as sagradas escrituras é sustentada pela amorosidade, ou seja, o amor a si, ao próximo e a Deus. Essa é tríade que deve marcar a vida do cristão, é ela que pode conceder um caminho para uma perfeição humanizadora. A seguir trabalhamos essas três dimensões de amorosidade que sustentam líder na busca do aperfeiçoamento.

Curiosidade:

Nesse link você poderá verificar mais sobre essa sociedade do desempenho que é ao mesmo tempo sociedade marcada pelo cansaço. Assim, você poderá islumbrar um breve documentário com o filósofo Byung – Chul Han. Ele é um autor contemporâneo que obtém uma série de livros que fundamentam as doenças da natureza humana derivada pela performance do desempenho.

  1. Líder em busca de perfeição – O modelo do Amor

Falar do amor a si mesmo é ressaltar o conhecimento de si, pois, não tem como falar de amor a si mesmo sem obter o mínimo de conhecimento próprio. Assim, segundo a tradição teológica cristã, o ser humano é aquele que ao se aproximar de Deus, alcança entendimento próprio, porém, uma vez que obtém afastamento da esfera divina, ele passa a ser considerado como sujeito que se arruína em seus próprios raciocínios, caminhos e escolhas. Agostinho de Hipona é um dos pais da igreja que trabalhou tal concepção de modo árduo, ele deixa isso muito evidente em seus primeiros livros. A intensidade que ele dispensa a tal assunto é possível de ser verificada com intensidade nas obras Vida Feliz, e Solilóquios. João Calvino também é autor que enfatizou tal questão em sua obra, Institutas Cristãs.

Quase toda a soma de nosso conhecimento, que de fato se deva julgar como verdadeiro e sólido conhecimento consta de duas partes: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos (…). Por outro lado, é notório que o homem jamais chega ao puro conhecimento de si mesmo até que haja antes contemplado a face de Deus, e da visão dele desça a examinar-se a si próprio (CALVINO, 2003, p.47-48)

Nesse aspecto, é possível constatar que tal posicionamento não foge do pensamento paulino. Na carta de Romanos, no capítulo 1, é possível constatar o apóstolo Paulo fundamentando que o afastamento de Deus, ocasiona a falta do conhecimento de si. Assim, seguindo esses apontamentos podemos pautar que é na busca por conhecimento de Deus que visamos uma perfeição, e na esfera cristã ela não está pautada em cunho individualista, mas, em um relacionamento com Deus e com o próximo. No entanto, cabe alertar que essa relação do ser humano com Deus não tem como desígnio uma idealização da pessoa humana, ou seja, o conhecimento de si que advém de uma vida sincera com a esfera divina nunca obteve o objetivo de formar pessoas isentas de erros em seus trajetos, planos, e relacionamentos sociais. Se o objetivo da relação com Deus fosse uma idealização humana cairíamos na busca de um perfeccionismo cristão, e isso seria o maior erro de nossa trajetória humana, pois, a bíblia nos ensina que o relacionamento com Cristo visa o reconhecimento de que somos imperfeitos e carecemos da graça, da compaixão, e da misericórdia divina em nossas vidas.

Nesse sentido, não existe um plano perfeito para formar o pastor ideal, o ministro de louvor ideal, o presbítero e diácono ideal. Se alcançássemos o primoroso desenvolvimento da personalidade humana não reconheceríamos o amor e graça que são viabilizados pela pessoa de Jesus Cristo. Um dos grandes pontos da teologia reformada é o reconhecimento da miséria humana, esse é o conhecimento de si que o ser humano obtém ao buscar o conhecimento de Deus.  Assim, o entendimento dessa questão tem que promover entendimento além da miserabilidade humana, ou seja, tem que desembocar na conscientização de que em Cristo Jesus todas as angústias, as dores, as crises, e ansiedades, não são condenadas, mas acolhidas pelo amor que Ele tem por nós. Portanto, não podemos fechar os olhos e dizer que a ideia de perfeccionismo cristão nunca alcançou espaço na igreja. Se assim fizéssemos estaríamos sendo acometidos pela ingenuidade.

 É possível notar que em todo tempo na história da igreja o perfeccionismo cristianizado teve seu recanto, claro que ele ganhou muito espaço na teologia patrística e medieval, e nas agitações modernas que adotaram uma santificação descentralizada da pessoa de Jesus. No entanto, com os textos bíblicos, aprendemos que o único justo, que não conheceu erro algum, foi Jesus Cristo, filho de Deus. Assim, cabe ressaltar que oração, meditação, e leitura bíblica jamais podem ser apreendidas como momentos e dimensões de trocas com Deus, ou seja, promoção para perfeição humana.  A possibilidade de estar diante de Deus pelas vias da espiritualidade fornecem momentos para o reconhecimento e necessidade de Sua misericórdia.  Uma das mais belas orações de Agostinho de Hipona, em sua obra Confissões expressa o que estamos abordando acima.

E o homem, pequena parte de tua criação quer louvar-te, e precisamente o homem que, revestido de sua mortalidade, traz em si o testemunho do pecado e a prova de que resistes aos soberbos. Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te. Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso (AGOSTINHO, 2018, p. 23)

Essa relação que cada ser humano obtém com Deus tem que promover vitalidade. “E vitalidade humana significa participar, compartilhar-se e dizer sim à própria vida e à vida dos outros (MOLTMANN, 2003, p.130)”.  Não basta receber a compreensão do amor e graça de Deus pela própria vida, é necessário propagar essa amorosidade ao outro, abraçar o mundo que nos cerca com compaixão, com vontade, e lutar pela paz e justiça. O líder que deseja aperfeiçoamento tem que compreender que aperfeiçoar é amar. A perfeição em perspectiva bíblica revela essa dinâmica e movimento da amorosidade.

Curiosidade:

Agostinho de Hipona é considerado o filósofo do amor pela teologia – filosófica ocidental. Esse pensador afirmava em suas obras que os problemas da humanidade na esfera ética e moral, e os problemas da sociedade civil na esfera política, eram derivados do amor desordenado. O amor desordenado para ele era resultado de uma equação, onde o ser humano amava mais a si mesmo, amava pouco ao próximo, e por vezes não amava a Deus. Essa maneira desordenada de amar refletia egoísmo, orgulho, violência, e injustiças na sociedade humana. Em contraponto a isso, Agostinho abordava que o caminho para uma humanidade melhor tinha que seguir a ordem do amor, ou seja, primeiramente se deve amar a Deus, e consequentemente amar o próximo como a si mesmo. Se você deseja conhecer mais sobre a questão do amor em Agostinho de Hipona obtenha contato com a obra Doutrina cristã. Na primeira parte da obra o autor fundamenta com precisão sobre ordem e desordem do amor.

Como já abordamos o amor a Deus e o amor-próprio, queremos destacar agora o amor ao próximo. O   Líder Cristão, em Busca de perfeição é aquele tem como exemplo a entrega e doação de Jesus a humanidade. Assim, a perfeição pode ser considerada um modo vida que não fecha os olhos para as necessidades e sofrimento da sua comunidade, e para os que estão fora dela. Se é possível imitar a liderança de Cristo, que imitemos a sensibilidade em escolher os fracos. Que possamos imitar a encarnação dele perante a pessoa angustiada, depressiva, ferida, marginalizada, excluída. Que sem hesitar possamos amar o mundo, e lutar pela vida. Claro que a maior referência dessa proposta é o próprio Deus, Ele amou, se entregou, e morreu pelo mundo (JOÃO 3.16).  Não tem como mudar a receita, o líder em busca de aperfeiçoamento, que segue o viés cristão, busca imitar o Cristo, e não as engenhosidades empresariais que circundam o mundo competitivo a nossa volta. O texto bíblico de filipenses 2, serve como parâmetro de liderança a ser buscada.   

Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou -se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz (FILIPENSES 2.4-8)

Esse exemplo que o apóstolo Paulo oferta nem sempre é atraente, isso devido a tamanha simplicidade apresentada. Henry J. M Nouwen em seu livro Perfil do líder Cristão do século XXI, Diz: “(…) estou profundamente convencido que o líder cristão do futuro é chamado para ser completamente irrelevante e a estar neste mundo sem nada a oferecer a não ser a sua própria pessoa vulnerável. Foi assim que Jesus veio revelar o amor de Deus (NOUWEN, 2018, p.18). Que cada dia mais a igreja possa promover líderes dispostos a entender a perfeição como dinâmica do amor, ou seja, amor a Deus, e amor ao próximo como a si mesmo.

 

Referências bibliográficas

AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Martin Claret, 2008.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017

NOUWEN, Henri J. M. O perfil do líder cristão do século XXI. Editora Atos, 2018.

MOLTMANN, Jürgen. No fim, o início. Breve tratado sobre esperança. Loyola, 2003.

 

Sobre o autor: André Borges – Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Doutorando em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) – Mestrado em Educação – Filosofia da Educação –e pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bacharel em Teologia Pela Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA). Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Graduado em Pedagogia pela Intervale