Edição 10 | e-2401 | Acertos na vida ministerial | Por Rodolfo G. Montosa

Aprendendo com erros e acertos do profeta Jonas

Peter Drucker (2006), o pai da Administração Moderna, definiu que eficiência é fazer certo as coisas e eficácia é fazer as coisas certas. Nada adianta fazer certo as coisas que não precisavam ter sido feitas. Também não é recomendável fazer as coisas que precisam ser feitas de maneira errada. O ideal, por óbvio, é ser eficaz com eficiência, fazer as coisas certas da melhor maneira possível. Simples de definir, difícil de praticar.

O olhar bíblico vai além, pois enxerga as motivações de se fazer o que se faz, afinal Deus enxerga os corações (1Sm 16.7). Aqueles que fazem a coisa certa, do jeito certo, mas com motivos errados não são reconhecidos pelo Senhor (Mt 7.22-23). O desafio fica maior quando pensamos que importa fazer o certo, do jeito certo, com o motivo certo.

Como ministros, atendemos pessoas, preparamos sermões, estudos bíblicos, aulas, fazemos reuniões, viajamos, dirigimos cultos, participamos de eventos, casamentos, noivados, batismos, cerimônias fúnebres, compromissos institucionais, enfim, estamos envolvidos nas muitas atividades da vida ministerial. Nem sempre paramos para nos perguntar se o que estamos fazendo é o que deveríamos fazer, do jeito melhor a se fazer, com a motivação correta a se ter.

A verdade é que poucos entre nós conseguem estabelecer corretamente as prioridades ministeriais, o foco naquilo que é essencial, a concentração na vocação e no chamado de Deus. Essa é uma das razões por que poucos também são aqueles que seguem sua vida ministerial de forma equilibrada e chegam ao fim com saúde física e emocional. Infelizmente o estresse, a fadiga e a frustração têm estado muito presentes na vida dos ministros de Deus.

A história do profeta Jonas nos ajuda na avaliação de nosso ministério para fazer a coisa certa, com a motivação correta para se alcançar resultados certeiros.

Existe coisa certa a se fazer!

Apesar de o livro levar seu nome, Jonas não é o personagem central da história. Deus o é. O Senhor tem a primeira palavra (Jn 1.1-2) e a última (4.11). Deus comanda o profeta duas vezes (1.2; 3.2). Ele envia uma violenta tempestade sobre o mar (1.4), provê um grande peixe para resgatar Jonas (1.17), também decide comandar o vômito do peixe lançando o profeta em lugar certo e preciso: terra firme (2.10). Deus ameaça com seriedade a destruição de Nínive (3.4), mas tem compaixão e aceita o arrependimento daquele povo (3.10). É Deus quem providencia uma planta para dar sombra a Jonas (4.6), também é quem envia a lagarta para destruí-la (4.7), além do sol e vento quente a ponto de quase destruir o profeta (4.8). Definitivamente, a versão que Jonas dá para sua própria história deixa Deus no comando de todos os episódios de sua vida.  Deus é a pessoa central da narrativa.

Isso nos leva a entender que a vontade de Jonas não é o que importa. Desde o início Deus deixa muito claro que sua vontade está focada em que a pregação seja feita aos habitantes de Nínive. Esse povo gentio estava nos planos de Deus. Isso contradizia a vontade do profeta mais voltada ao povo escolhido, mas lembrava a vocação missionária de Israel aos demais habitantes da terra (Is 49.3). Deus determina assim e, enquanto isso não acontece, não se satisfaz. O projeto de Deus é que o profeta saia de sua própria terra, de sua redoma, de seu território confortável para alcançar um povo distante, mas amado pelo Senhor. A vontade de Deus é central na história.

O texto deixa muito evidente que a obra nos corações dos ninivitas não advém da capacidade do profeta. Sua revolta ao final do texto evidencia que estava cumprindo um papel, sem maiores paixões e amores. O resultado, contudo, contradiz o aparente desleixo. Todos se convertem. Aliás, o barco já evidenciava a obra da conversão. Seu testemunho falava tão forte que aqueles navegantes ficaram impressionados com o poder de Deus sobre o mar enfurecido que se prostraram em adoração (1.16). O papel de Jonas foi importante, mas a realização da obra de convencimento e conversão foi do próprio Deus. O obra nos corações é de Deus.

Calvino (2006) afirmou que Deus age de forma soberana para chamar e transformar o coração humano:

Portanto, para que aqueles que são escolhidos por Deus possam perceber e experimentar Sua graça, o Espírito Santo é o mestre eficaz e somente Ele é capaz de abranger a mente, os afetos e a vontade humana. Ele ilumina os corações cegos, inclina as vontades rebeldes e renova os afetos desordenados, para que a verdade de Deus possa ser recebida em seu poder espiritual.

Assim também podemos entender em nossos dias de hoje. Importa ter um relacionamento com Deus tão franco e claro para compreendermos que é Ele quem está no controle de nossas vidas. O reconhecimento do senhorio de Deus é ponto de partida para fazermos a coisa certa. Enquanto não colocarmos Deus no centro da versão que damos para nossa história, seremos como que Jonas tentando fugir.

A vontade de Deus continua a mesma, porque seu caráter é o mesmo. Ele continua amando os povos, raças e tribos não alcançados e nos chama para levarmos a palavra que evidencia que nossa natureza é má e precisamos desesperadamente da graça de Deus. Ele continua nos chamando para sairmos de nossa posição confortável, mesmo como profetas na casa de Deus. Somos chamados para fora a fim de anunciar as grandezas daquele que nos salvou.

Mas, ao sairmos, devemos ter a absoluta consciência de que toda a obra de convencimento do pecado, da justiça e do juízo é do Espírito Santo. Essa consciência deve nos dirigir aos passos certos, a fazermos a coisa certa e deixarmos de brincar com Deus, brincar de uma vida religiosa, brincar de ficar nos debatendo em nossos próprios desejos e vontades.

É hora de dar um basta em tudo aquilo que fazemos de errado, tudo aquilo que tem roupagem de vontade de Deus, mas é nossa própria vontade. Precisamos ter o foco naquilo que está no centro do coração de nosso Pai Celestial. Ele nos chama para compartilharmos a mensagem da cruz, tão somente focando na pessoa de Jesus, fazendo discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo e ensinando-os a guardar a Palavra de Deus (Mt 28.19-20).

Existe motivação certa a se ter!

A cidade de Társis já era conhecida desde o tempo do rei Salomão que de lá trazia navios com ouro, prata, marfim, macacos e pavões (1Rs 10.22). Era um porto distante, identificado pelos estudiosos como sendo Gibraltar, a porta para a Espanha. Um lugar exótico para a época, idealizado como uma terra glamorosa, de riquezas e esplendores, com o encanto do desconhecido, algo que despertava no coração de qualquer um a cobiça pelo ter e pelo conquistar. Curiosamente, a resposta de Jonas é dada após um chamamento específico. Deus me chama, mas eu escolho o destino. Há uma rebeldia expressa. Pregar para os pagãos de Nínive, ou para os nobres de Társis? Társis representa um grande perigo às motivações das decisões ministeriais.

Se a função de Társis é afastar e fugir, o ventre do peixe, por sua vez, enquadra e aproxima. O clímax da espiritualidade do profeta acontece dentro do peixe, naquele ambiente viscoso, insalubre, fétido e profundamente desconfortável. Ali ele entrega-se totalmente ao Senhor. Sua motivação é transformada. Seu desejo de viver para o Senhor renasce. Sua oração retoma o centro de sua vida. Suas palavras refletem que não era um novato, mas um ministro de Deus muito experiente. Recita pelo menos 10 trechos de Salmos (18.6; 120.1; 18.45; 42.7; 139.7; 5.7; 30.3; 142.3; 3.8). Mostra que sua escola de conhecimento da Palavra de Deus vem à mente, subindo do coração, na hora da provação. É finalmente ajustado em suas intenções e reafirma seu compromisso e aliança com Senhor. O ventre do peixe representa a benção do tratamento de Deus em momentos críticos.

Uma terceira experiência deflagra uma nova lição. Num lugar a leste da cidade, Deus faz brotar uma planta para dar alívio e consolo ao coração do profeta. Logo em seguida continua seu plano de ensinar o coração de Jonas retirando a bênção, mostrando que a motivação de Jonas deve estar focada naquilo que Deus valoriza. Não se trata de um ato de desrespeito, mas na firme determinação de tratamento contínuo que o Pai Celestial só faz com seus filhos que muito ama. A lição da planta representa o trabalho que nunca acaba na vida do ministro de Deus.

Brennan Manning (2005), citando T. S. Eliot, diz que: o maior pecado de todos é fazer as coisas certas, com as motivações erradas! Ou seja, não adianta fazer a coisa certa, do jeito certo, com o motivo errado. Deus está mais interessado em nossos motivos do que propriamente em nossas ações. Jesus sempre teve um olhar clínico para o coração das pessoas com quem interagia. Diante de Jesus, o pensamento de muitos corações é revelado (Lc 2.35). Quando olhamos para nossas vidas hoje, podemos identificar os perigos de Társis. O risco do encantamento institucional, do amor à publicidade pessoal, do interesse econômico que banaliza a vocação transformando-a em simples carreira eclesiástica, do amor aos holofotes do púlpito, do glamour da popularidade conquistada, da visibilidade do grande número de seguidores nas redes sociais.

Quando caminhamos com motivos escusos, fugindo do centro de nosso chamamento, Deus nos trata com firmeza pelo fato de nos amar. Turbulências vêm, ventos mais fortes nos ameaçam, todos no barco correm risco de vida por nossa causa. Muitas vezes ficamos dormindo, ignorando que seja conosco. Mas logo cairemos no ventre do peixe, naquele lugar onde somos sequestrados por Deus para voltarmos à essência de nosso relacionamento de intimidade com o Pai Celestial e o retorno aos trilhos vocacionais.

Mesmo saindo do grande peixe, teremos ainda muitas árvores plantadas e tiradas em nosso caminho. Muitas serão as oportunidades para poda. Nossa alma, nossas motivações, nossas reais intenções, aquilo que está por detrás de muitos gestos, olhares e palavras serão flagrados pelo Espírito Santo e devidamente trabalhados. Tudo para nosso bem. Tudo para o bem de toda a comunidade. Verdadeiramente Deus nos ama com amor perfeito e exigente. Mesmo experientes na fé e no ofício, a certeza é que o tratamento de Deus nunca acabará.

Existe resultado certo a se alcançar!

O rei de Nínive convoca todos para que clamem a Deus com todas as forças e deixem seus maus caminhos e a violência. É uma história de conversão coletiva sem precedentes. Cerca de 120.000 pessoas convertidas a partir de uma pregação que atingiu diretamente seus corações. Pecadores que se arrependem verdadeiramente. O primeiro resultado alcançado foi o coração dos ninivitas.

Mas o obra do Espírito de Deus não alcançou somente o coração dos que ouviram a pregação. O pregador também foi atingido em cheio. O caminho da fuga revelou sua rebeldia expressa, sua transgressão explícita a ordem de Deus. O coração é convertido no ventre do peixe. O caminho da ira, entretanto, traz outra dimensão da conversão. A trilha da ira conduz a um erro que está lá dentro de Jonas. Nas palavras de Eugene Peterson (2011): a ira de Jonas não foi acesa por um erro teológico, mas por uma pobreza espiritual. Jonas pede misericórdia para sua vida, mas desejava ver a justiça de Deus acender-se contra os outros. Se no primeiro lance foi surpreendido num ato de transgressão, neste momento sua ira flagra sua iniquidade. Aquilo que estava oculto atrás das máscaras do profeta cai diante da onisciência de Deus. A conversão do que está no mais íntimo do ser é o maior objetivo da obra de Deus. O segundo grande resultado, portanto, foi o coração de Jonas.

Porque os corações dos ninivitas juntamente com o coração de Jonas foram alcançados e transformados, o coração de Deus alegrou-se. Há júbilo nos céus quando existe verdadeira mudança, abandono da velha natureza, assunção da nova natureza em Cristo, caminhada de maneira digna ao chamamento. Isso é sinal de reconciliação, onde a comunhão entre Deus e seu povo é restabelecida. O povo de Deus recebe diversidade, variedade, inclusão. Preconceitos caem, barreiras são derrubadas. A linguagem da fé é unificada e todos passam a adorar o único e verdadeiro Deus. O terceiro grande resultado foi o próprio coração de Deus.

Assim também acontece em nossos dias quando alcançamos uma pessoa que estava excluída, sua família, sua comunidade, sua tribo. Quando pessoas são levadas aos pés de Jesus, reconhecendo seus pecados, arrependendo-se verdadeiramente de seus maus desígnios, convertendo-se a uma nova realidade de vida em Cristo. A ordem de Jesus foi simples e direta para fazermos discípulos. A ordem não é para fazer “crentes”, nem devotos, nem membros de igrejas, nem seguidores de si mesmos, nem consumidores de serviços religiosos. Somente consegue fazer discípulos de Cristo quando se é um deles. Somente posso reproduzir a semente que se recebeu, a natureza que se ganhou, a riqueza que se herdou. Fazemos tantas outras coisas, mas poucos são os discípulos. Discipulado não é dominação, mas é serviço baseado no amor; não é transmissão de conhecimento, mas transmissão de vida; não é um programa, mas um estilo de vida; não é só para novos convertidos, mas para a vida toda; não é ministrado só por líderes, mas por jovens e pais na fé; não é instantâneo, mas um longo processo; não é feito seguindo fórmulas, mas feito na direção do Espírito Santo; não é impessoal (ex. via tv), mas relacional (olho no olho); não é bajulação, mas assertivo; não aponta para si, mas aponta para Cristo.

Entretanto, não nos adianta sermos profetas, ministros, pregadores, pessoas que arrebatam muitos para Jesus, mas cujos corações estão distantes. A cada dia que passa devemos estar mais entregues ao senhorio de Jesus, mais apaixonados por aquele que se entregou por nós, crescendo progressivamente em nosso relacionamento de fé e confiança com Cristo. Nossa própria conversão é um processo que nunca devemos pensar que acabou.

Ao alcançarmos pessoas com a palavra de Cristo, entregando-nos cada vez mais, alegraremos o coração daquele que nos redimiu. A Trindade faz festa e se alegra com profusão. Tudo deve acabar em adoração diante de Deus. Tudo deve ser exclusivamente para sua glória e honra. Tudo deve apontar tão somente para Jesus Cristo.

CONCLUSÃO

O ministério de Jonas foi muito relevante para sua geração e para muitas outras posteriores. Foi o mais citado por Jesus (Mt 12.38-42, 16.4; Lc 11.29-32), sendo uma vida que apontou para a própria missão de morte e ressurreição de Cristo. Do mesmo modo como Deus levantou seus servos no passado ele continua fazendo nos dias de hoje.

Da nossa correria do dia-a-dia, o que está certo? O que está errado? O que deveria ser feito que não estamos fazendo? O que poderia ser simplesmente abandonado? O que nos aprisiona? O que nos liberta e nos aproxima da vontade de Deus? Qual motivação agrada a Deus? Do que nosso coração precisa ser purificado? Qual expressão de religiosidade desagrada profundamente a Deus? Quais resultados temos atingido? Quais resultados não entram na contabilidade de Deus?

Perguntas desse tipo devem nortear nosso ministério para assegurar que cheguemos ao final de cada dia, mês, ano, década, ou ao final de nossas vidas, alegres e realizados pelo cumprimento de nossa missão. Afinal, em nossa vida ministerial importa fazer o certo, com a motivação certa, alcançando os resultados certos. Deus nos guie para termos acertos na vida ministerial.

Referências bibliográficas

ALEXANDER, T. Desmond. Jonas. São Paulo: Vida Nova, 2008.

Brown-Driver-Briggs. Hebrew and English Lexicon (Electronic Database). Washington: Biblesoft, 2006.

CALVINO, João. As Institutas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

DRUCKER, Peter F. The Practice of Management. New York City: Harper Business, 2006.

MANNING, Brennan. O evangelho maltrapilho. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.

PETERSON, Eugene H. A vocação espiritual do pastor: redescobrindo o chamado ministerial. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.

 

Sobre o autor – Rodolfo Garcia Montosa

56 anos, pastor da Primeira IPI de Londrina, empresário, escritor, compositor.

Graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), pós-graduado em Administração Financeira pela USP/SP, MBA Executivo pela USP/SP com extensão na Universidade de Vanderbilt (EUA) e École de Management du Lyon (França). Graduado em Teologia pela FTSA e pela FATIPI.